sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Fazer crescer o medo


A tragédia política da Europa no século XXI nasceu da conversão dos partidos do arco da governação ao liberalismo mais radical. Antes disso, a direita era representada pela democracia-cristã e a esquerda pelo socialismo democrático ou social-democracia. Na verdade, não representavam soluções políticas muito diferentes. A democracia-cristã – pelo menos, a de inspiração católica – fundava-se na encíclica papal Rerum Novarum, de Leão XIII, e na doutrina social da Igreja, enquanto o socialismo democrático tinha os seus pilares nas lutas operárias do século XIX e na evolução da social-democracia de uma visão revolucionária anticapitalista para uma via reformista das sociedades capitalistas. O que ambas visavam era uma sociedade equilibrada, respeitadora da iniciativa privada, mas na qual as classes trabalhadores vissem reconhecidos os direitos sociais e a sua dignidade.

O que tornou eficiente estas governações, na produção de sociedades menos injustas, foi o medo. Raramente se pensa no contributo do medo para o desenho de posições políticas socialmente equilibradas e equitativas. O medo que assolou a democracia-cristã e o socialismo democrático foi o dos extremismos. À direita, as soluções nacionalistas, fascistas e nazis. À esquerda, a revolução comunista. O talento do centro-direita e do centro-esquerda, na época anterior à queda do muro de Berlim, foi perceber o valor intrínseco da liberdade e a necessidade de não deixar que soluções radicais, à direita e à esquerda, seduzissem o eleitorado. Esse talento, porém, desapareceu e, com ele, o sábio equilíbrio social que existia. Tal talento, contudo, não o esqueçamos, era movido pelo medo dos extremismos. O centro político, agora seduzido pelo dinheiro e sem ameaças no horizonte, perdeu o medo e a vergonha.

O que resta àqueles que, como eu, possuem posições moderadas e defendem sociedades socialmente justas e equilibradas? Resta-lhes um pacto com o diabo. Resta-lhes fazer crescer o medo. Isto significa fazer crescer eleitoralmente os partidos fora do arco da governação e do bloco central, os partidos que contestam o actual rumo da Europa e a desfaçatez que se instalou no poder. Para que a Europa volte à sensatez, para que os valores do equilíbrio e da moderação se tornem dominantes, é necessário um grande susto, é necessário que uma ameaça cresça e se torne credível. Sem este medo, os desequilíbrios sociais irão acentuar-se, as classes médias acabarão literalmente trucidadas, e a velha Europa será cada vez mais parecida com os piores cenários do terceiro mundo.

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