A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
A tragédia política da Europa no século XXI nasceu da conversão dos
partidos do arco da governação ao liberalismo mais radical. Antes disso, a
direita era representada pela democracia-cristã e a esquerda pelo socialismo
democrático ou social-democracia. Na verdade, não representavam soluções
políticas muito diferentes. A democracia-cristã – pelo menos, a de inspiração
católica – fundava-se na encíclica papal Rerum
Novarum, de Leão XIII, e na doutrina social da Igreja, enquanto o
socialismo democrático tinha os seus pilares nas lutas operárias do século XIX
e na evolução da social-democracia de uma visão revolucionária anticapitalista para
uma via reformista das sociedades capitalistas. O que ambas visavam era uma
sociedade equilibrada, respeitadora da iniciativa privada, mas na qual as
classes trabalhadores vissem reconhecidos os direitos sociais e a sua
dignidade.
O que tornou eficiente estas governações, na produção de sociedades menos
injustas, foi o medo. Raramente se pensa no contributo do medo para o desenho
de posições políticas socialmente equilibradas e equitativas. O medo que
assolou a democracia-cristã e o socialismo democrático foi o dos extremismos. À
direita, as soluções nacionalistas, fascistas e nazis. À esquerda, a revolução
comunista. O talento do centro-direita e do centro-esquerda, na época anterior
à queda do muro de Berlim, foi perceber o valor intrínseco da liberdade e a necessidade
de não deixar que soluções radicais, à direita e à esquerda, seduzissem o
eleitorado. Esse talento, porém, desapareceu e, com ele, o sábio equilíbrio
social que existia. Tal talento, contudo, não o esqueçamos, era movido pelo
medo dos extremismos. O centro político, agora seduzido pelo dinheiro e sem
ameaças no horizonte, perdeu o medo e a vergonha.
O que resta àqueles que, como eu, possuem posições moderadas e
defendem sociedades socialmente justas e equilibradas? Resta-lhes um pacto com
o diabo. Resta-lhes fazer crescer o medo. Isto significa fazer crescer
eleitoralmente os partidos fora do arco da governação e do bloco central, os
partidos que contestam o actual rumo da Europa e a desfaçatez que se instalou
no poder. Para que a Europa volte à sensatez, para que os valores do equilíbrio
e da moderação se tornem dominantes, é necessário um grande susto, é necessário
que uma ameaça cresça e se torne credível. Sem este medo, os desequilíbrios
sociais irão acentuar-se, as classes médias acabarão literalmente trucidadas, e
a velha Europa será cada vez mais parecida com os piores cenários do terceiro
mundo.
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