A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
A grandeza política do professor Salazar não se mede pelas suas
políticas, mas pela sombra que projectou e que continua a assediar a vida
nacional, mesmo em sítios inesperados. A mais persistente ilusão nacional é
aquela que deriva da ideia de união nacional. Como se sabe, a revolução do 28
de Maio e a posterior ascensão ao poder de Oliveira Salazar assentaram na
eliminação dos partidos políticos e na construção de uma suposta união
agregadora de todos os homens de boa
vontade, isto é, de todos os interesses que se reviam na nova situação.
Supunha-se que a unidade nacional não suportaria a divergência, o conflito de
opiniões e de interesses, a alternativa política. Supunha-se também que não
haveria interesses divergentes e que todos perseguiam o bem comum, cada um no
seu lugar social.
É evidente que este delírio do Estado Novo só pôde ser mantido com a
cumplicidade das Forças Armadas, a função castradora da censura e a perseguição
dos dissidentes por uma polícia política implacável. Assim que as Forças
Armadas abandonaram o regime, este caiu sem que ninguém mexesse um dedo para o
defender. A ficção da unidade nacional, contudo, projectou-se pelo regime
democrático adentro sob a tenebrosa figura do bloco central. Cavaco Silva
parece obcecado com a ideia de um entendimento entre partidos, e agora, são
alguns socialistas, com Francisco Assis à cabeça, que arrancam os cabelos por
António Costa ter dito que não faria coligações com este PSD. Mas, suspeita-se,
o próprio António Costa poderá cair nos braços de Rui Rio, se este liderar o
PSD, para assim formarem uma nova união nacional.
Uma vida política saudável não precisa de uniões nacionais. O consenso
fundamental está no respeito pelas instituições e pela constituição. Necessita-se
de regras muito firmes sobre a transparência das decisões e de projectos
políticos verdadeiramente alternativos, que os cidadãos possam escolher. A
ideia de união nacional é perigosa por dois motivos. Assenta numa percepção
falsa da realidade. Uma percepção que diz que só há um caminho para resolver os
problemas, o que além de falso é anulador da democracia. Em segundo lugar, essa
ideia de unidade nacional – de bloco central – é a capa para todo o tipo de
arbitrariedade e de corrupção, é a porta da nossa presente miséria. Se uma
bloco central tácito, como tem existido nos últimos anos, conduziu o país ao
lugar onde está, o que acontecerá se ele se tornar efectivo e governar? A
sombra do professor Salazar continua a assediar os portugueses e com ela a
miséria a que ele nos habituou e fez desejar, como se fosse uma virtude.
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