sexta-feira, 18 de junho de 2021

A iniciativa da Iniciativa Liberal


Não vale a pena falar do arraial que a IL decidiu promover em Lisboa. Fique-se pelo pormenor da barraca do tiro-ao-alvo aos adversários políticos. O partido, perante a repulsa de muita gente, argumentou que era uma brincadeira e como era uma coisa liberal, ninguém devia levar a mal. Qual é a mensagem da brincadeira? Simbolicamente, devemos matar os adversários. Faziam parte do alvo políticos de esquerda e, já na parte exterior, também Rui Rio e, salvo erro, Carlos Carreiras, ambos do PSD, talvez para disfarçar. Caso curioso é André Ventura ter sido poupado à morte simbólica. Também a IL tem uma nostalgia, mal disfarçada, pelo tempo em que a esquerda em vez de estar no parlamento e no governo, estava nas prisões políticas, na clandestinidade, no exílio ou debaixo de terra.

Este episódio veio mostrar mais uma vez a realidade portuguesa. Não existe, efectivamente, um espírito liberal. Quando emergem grupos de pessoas, ou partidos, que se dizem liberais isso significa, quase sempre, uma inimizade aos direitos dos trabalhadores, à existência e papel dos sindicatos, ao Estado social, a tudo o que proteja os mais desfavorecidos e as frágeis classe médias nacionais, mesmo quando se propõe a substituição do Estado na protecção das pessoas pela iniciativa privada, com a inevitável busca de lucro e a pouca preocupação com a protecção. A defesa de um feroz liberalismo económico raramente é acompanhada por ardor idêntico na do liberalismo político. Este parece ser uma coisa que tem de se suportar, enquanto não houver uma melhor solução, ou enquanto essa solução não tenha força para se impor. Falar em liberais portugueses não passa de um equívoco.

Por outro lado, o episódio do tiro-ao-alvo, e a subsequente desvalorização, inscrevem-se numa estratégia que os sectores mais radicais estão apostados há muito. Destruir os laços de convivência cívica entre pessoas que pensam de modo diferente, substituir adversários políticos por inimigos políticos. Trespassar com dardos, mesmo num jogo de arraial, as figuras dos adversários é desencadear um ritual mágico onde se mata simbolicamente as pessoas alvo. É apelar ao fundo inconsciente e tenebroso que existe em cada um de nós, é dar-lhe possibilidade de se tornar público. Um espírito liberal, enraizado nos valores da razão e do Iluminismo, detestaria este tipo manipulação das forças tenebrosas existentes nos seres humanos. Isso, porém, pressupunha que em Portugal existisse um espírito liberal. Não há.

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