quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Cânticos lunares (v)

Adriano Sousa Lopes, Noite no Canal(Gulbenkian)

O que faz a sombra da Lua reclinada

sobre os olhos vagarosos do vento?

Uma esplanada de som e silêncio

nas entranhas da terra,

a rocha dos meses na janela do tempo.

A lua é um passageiro marítimo,

pórtico sobre o porão da noite.

 

Quando as plumas da ave se erguem,

um astro sem pressa eleva-se do mar,

água na secura do mundo.

Uma ordem nasce na geografia lunar,

turbilhão de ondas amarelas,

o medo esconjurado da manhã,

vísceras a flutuar no vinho da vida.

 

Nas mãos vazias há um reflexo lunar,

o centro insignificante do coração,

serpente rubra na noite esquecida,

o incêndio nos braços caídos.

Os homens deitam-se sob a luz da Lua.

Um sono outonal desprende-se dos céus,

do cipreste erguido na margem do rio.

 

Junho de 1993

[Conjunto de cinco poemas pertencentes à série Cânticos da Terra Amarela]

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