sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Joe Biden e a esperança vã


No seu espaço de comentário na SIC, Luís Marques Mendes disse, no domingo em que foi conhecida a decisão do actual Presidente dos EUA em não se recandidatar, que Joe Biden sai pela porta pequena. Há neste comentário uma superficialidade que só não é de admirar porque, em geral, o comentariado político vive da espuma dos dias e da superfície dos acontecimentos. Imaginemos Joe Biden há vinte anos ou mesmo há dez. Se lhe pusessem a situação hipotética de ser Presidente dos EUA e encontrar-se, quando disputa a reeleição, com 81 anos e na situação patológica em que se encontra, e lhe perguntassem o que faria, o mais plausível seria que dissesse sem hesitação que se retiraria da corrida presidencial. Isto, porém, seria a reacção de alguém na plena posse dos seus recursos mentais.

O interessante na situação de Biden reside no caso da tentativa de levar até ao fim a recandidatura se inscrever já no plano da incapacidade de avaliar a própria situação, pois os recursos intelectuais e a base neuronal encontram-se, muito provavelmente, de tal maneira afectados que não conseguem realizar um processo de auto-análise com o mínimo de espírito crítico. No primeiro ensaio da tradução portuguesa de “Ensaios Sobre a Virtude & a Felicidade”, de Samuel Johnson, o autor escreve: “Túlio observou há muito que nenhum homem, por mais enfraquecido que esteja pelo tempo que já viveu, está ciente da sua própria decrepitude a ponto de supor que poderá não conservar o seu lugar no mundo por mais um ano”. Ao ensaio foi dado o nome de Esperança Vã. Parece haver na fragilidade dos homens não uma força para a ultrapassar, mas um poder de criar ilusões sobre o seu próprio estado.

Joe Biden estava já preso a essa ilusão e era através dela que via não apenas o seu futuro, como o mundo. Ele não sai pela porta pequena, mas sai pela porta da fragilidade, a qual não lhe permitiu perceber a real situação em que se encontra. O mais espantoso, porém, é que ainda foi possível fazer-lhe compreender que era o momento de renunciar à esperança vã que alimentava. Esta experiência é muito mais comum do que se pensa e todos estamos sujeitos a ela. Quando se trata de um assunto privado, como a resistência a aceitar que chegou o momento de ir para um lar, o drama é circunscrito. Quando, porém, se trata da direcção da maior potência mundial e que o destino do mundo democrático pode estar em jogo, o drama pode tornar-se em tragédia. E na tragédia, ao contrário do que pensa Marques Mendes, há grandeza na derrota do herói.

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