sexta-feira, 11 de outubro de 2024

David Hume, Que a política pode ser transformada em ciência


“Que a política pode ser transformada em ciência” é um pequeno ensaio de apenas doze páginas na tradução portuguesa. Faz parte de uma obra que colige diversos ensaios, publicada em 1758. Em português recebeu o título de Ensaios Morais, Políticos e Literários. A tese de Hume não é que a acção política possa ser transformada numa disciplina científica, onde o agente político tenha uma evidência comparável à do cientista tanto nas suas decisões quanto nas suas acções e respectivas consequências. A cientificidade é entendida no ensaio como uma certa capacidade de deduzir as consequências a partir do se poderia chamar princípios axiomáticos, embora o filósofo escocês não utilize esta linguagem. Ele parece responder a uma pergunta que, na altura, estaria a atormentar diversos pensadores políticos. Perguntavam-se eles se não seria a boa ou má administração (governação) que faria de um regime político bom ou mau e não a própria forma de regime (a sua natureza plasmada numa constituição).

Hume responde peremptoriamente que a questão da boa ou da má governação não é, em última análise, relevante. Contudo, tem necessidade de fazer uma separação entre regimes absolutos e regimes republicanos e livres. Em regimes absolutos, onde há uma concentração do poder, por exemplo na figura de um monarca, a qualidade da governação e os efeitos no bem público derivam da administração, isto é, da qualidade daquele que ocupa o poder. Numa monarquia hereditária absoluta, a boa governação dependeria do acaso. Contudo, para Hume, o mesmo não se deverá passar numa república livre. Se acontece uma má governação neste tipo de regime, isso dever-se-á à própria constituição que não foi concebida de forma competente e honesta. Toda a boa constituição tem o dever de prever os desvios à boa governação e estar de tal modo organizada que leve mesmo aquele que é mau a governar a favor do bem público.

Onde se insere a questão da cientificidade da política? Na capacidade que há de deduzir os efeitos tanto para o presente como para o futuro a partir das normas e instituições que regem uma comunidade política, as quais funcionam como causa. O carácter do governante é irrelevante. Se as normas e as instituições forem boas, ele será coagido a governar para o bem comum. Caso não o sejam, o futuro do regime será a anarquia, a que se seguirá a tirania. É por isso que a herança mais valiosa que se pode deixar para o futuro é uma sábia legislação, aquela que permite a boa governação, independentemente do carácter do governante. Em plena época de afirmação do individualismo, David Hume propõe um caminho alternativo. A questão central está na qualidade das leis e das instituições e não no carácter e educação tanto do governante quanto dos governados. São estas que podem ser a causa ou da felicidade ou da infelicidade de um povo.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.