terça-feira, 29 de outubro de 2024

Hinos marítimos (i)

Louis Mathieu Verdilhan, Saint-Gilles-du-Gard

Ergue-se a água na sombra da fortaleza,

o trabalho da pedra escrito pela tenaz do tempo.

Ouve-se a revolta das ondas,

enquanto homens presos à lentidão do leme

navegam em barcos de sombra

um mar maldoso,

sobrevoado pela supuração das gaivotas,

os dias gretados de Agosto.

 

Um oceano idiomático cresce no centro da Terra,

expande-se contra o horizonte azul,

as terras dobradas à lavoura do esquecimento,

os dias vergados ao fluir das ondas.

Vozes rompem a barreira do som,

são peixes a vibrar no cordame das redes,

mulheres de pele estriada, cestos de sal à cabeça,

vidas subtraídas ao dedo de Deus,

presas no anzol dançante da morte.

 

Sobre a mancha das marés, ergue-se a memória,

o vento no regaço das velas,

um livro escrito no olhar dos mortos.

Os dias marítimos são noites nos olhos cegos,

nas mãos queimadas pela geometria das redes.

Uma sirene sulca a sangria da tarde,

os barcos chegam carregados de ócio e sombras,

rasgados pelo ritmo arcaico da fome.


Maio de 1993

[Conjunto de três poemas pertencentes à série Cânticos da Terra Amarela]

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