sábado, 19 de outubro de 2024

Ode ao vento

Paul Signac, Brisk Breeze from the North, 1985

No centro da terra, uma cobra conspira,

um buraco branco, uma respiração

suspensa na seiva das árvores.

Pela caligrafia, reconhecem-se os desígnios,

o vendaval da existência,

a dor surda soprada nos ouvidos,

os passos do homem sob a névoa da natividade.

 

Tinha os braços abertos ao vento.

A corola lavrada pelas mãos,

sacudida pelo ar, pelo rumor das sombras,

acesa na luz verde dos presságios.

Sobre a sua virtude crescia uma mulher,

olhava a brisa da noite, a madeira trespassada

na imobilidade da rocha,

no eco inocente inscrito na terra.

 

Pela doença respiratória vibra o mundo,

a convulsa iluminação das tardes de Outono,

cercadas de castanheiros,

os esparsos cabelos ao vento.

Um temporal tépido, uma tristeza de terra.

As vielas abandonadas, graves,

adormecidas no império do trigo ondulado,

a ceifa por fazer na minúcia aérea

da boca branca e calada.

 

É um cansaço na fronte, o portão

dobrado pelos batentes, um ruído

de plásticos pelos ares. Abandona-se

a chaga ao vento e pelo pólen das tardes

curva-se um rio, um empréstimo de células

abrasadas no vendaval sanguíneo do futuro.

 

1993

[Poema pertencente à série Cânticos da Terra Amarela]

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.