quinta-feira, 31 de outubro de 2024

A Europa e o 5 de Novembro


Desde 2016, o resultado das eleições norte-americanas passou a ser decisivo para os europeus. Até aí, uma vitória republicana ou uma vitória democrata não alterava substancialmente a política externa e de alianças militares. Com a vinda de Donald Trump e a captura do Partido Republicano por uma coligação de elementos extremistas, adeptos das teorias da conspiração, alucinados anticientíficos, sectores cristãos fundamentalistas, tudo se alterou. Os EUA eram vistos como um dos pilares da democracia liberal no mundo, o lugar onde, juntamente com a Inglaterra, o regime democrático seria o mais sólido e inabalável. Hoje, percebemos que podemos, em breve, ter na Casa Branca alguém mais próximo do conjunto de tiranos que governam parte substancial do mundo do que alguém preocupado com a saúde da democracia.

Isto é dramático para a Europa, em especial para a União Europeia. Podemos ter no comando da maior potência mundial um inimigo da União Europeia e alguém apostado em destruir a Aliança Atlântica. Isto explica o pânico existente em muitas capitais europeias. Revela também outra coisa mais dolorosa para os europeus: a sua continuada irresponsabilidade. Irresponsabilidade perante os deveres de protecção militar das suas populações. Era mais barato e cómodo entregar a defesa da Europa aos americanos, sem considerar a possibilidade de que eles podiam mudar de estratégia e abandonar-nos à nossa sorte. Irresponsabilidade também na leitura política das potências que se movem no xadrez mundial, olhando para elas de um ponto de vista económico e ocultando que se poderiam, como está a acontecer, tornar poderosos inimigos políticos.

Mesmo que no dia 5 de Novembro haja um milagre e Kamala Harris seja eleita, o problema continua a colocar-se. A Europa não pode continuar a depender, para a sua defesa e a sua presença no mundo, dos humores do eleitorado norte-americano ou de um inverosímil retorno da sensatez ao Partido Republicano. Com ou sem milagre no dia 5 de Novembro, os europeus – fundamentalmente, a União Europeia e os países amigos – têm de alterar radicalmente o modo como têm olhado – e continuam a olhar, apesar das alterações impostas pela invasão da Ucrânia – a sua defesa e a forma como pensam a política externa. Se há uma coisa que os últimos tempos abalaram foi a velha crença liberal de que o comércio entre os povos porá fim às guerras. Isso não é verdade. A ordem mundial funda-se no choque entre potências que perseguem os seus interesses e não num jogo de bolsa ou na concorrência nos mercados internacionais. As coisas são o que são.

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