sábado, 2 de novembro de 2024

Interregno


Parece não haver grande diferença entre o actual governo e o de António Costa. Esta semelhança, porém, é meramente táctica. O governo da AD não pôde, até aqui, dizer ao que vem. Esteve a controlar a situação para evitar um chumbo do orçamento de Estado ou, o que poderia ser-lhe mais nefasto, uma aprovação com os votos do Chega. Aprovado o orçamento, o governo ganha um horizonte de vida de dois anos. Isto significa que, nesse tempo, iremos ver em acção o real programa da coligação no poder? Claro que não. O objectivo táctico de Luís Montenegro e daqueles que o rodeiam será chegar a uma maioria absoluta, com ou sem a Iniciativa Liberal, nas próximas eleições. Ora, isso será muito improvável caso o governo execute o programa que lhe anima a alma.

Sendo assim, tomará medidas que não afrontem o eleitorado do centro e o eleitorado que, pela idade, se está a aproximar da reforma. Sabe-se que há, na direita, um grande desejo de tornar as condições de reforma mais penalizadoras dos reformados. Será que isso ocorrerá na presente legislatura? Não. Vale a pena citar o programa do governo sobre as pensões de reforma: “É necessária, porém, a existência de condições de debate e discussão racional, pelo que o Governo assume que a legislatura iniciada em 2024 deve ser dedicada ao estudo (sic), com uma análise e discussão dos desafios e respostas para a Segurança Social.” Isto significa apenas que o governo não tem maioria política que lhe permita realizar aquilo que deseja. Outro caso é o da abertura das escolas não superiores à iniciativa privada (com apoio do Estado). Um desígnio do governo de Passos Coelho e de parte importante da direita ligada à educação. Sobre isso, não há uma palavra nem no programa eleitoral da AD, nem no do actual governo. Porquê? Porque afastaria muitos votos dos professores e respectivas famílias.

Com a aprovação do orçamento, entrámos na segunda fase do interregno. A primeira era fazer aprovar o orçamento e assegurar mais dois anos de governação. A segunda vai estar concentrada em alcançar uma maioria absoluta daqui a dois anos. Os portugueses só perceberão o efectivo programa da Aliança Democrática nessa ocasião. Nenhuma das reformas que os analistas e comentadores de direita exigem – e que agradariam ao actual governo – será levada para a frente antes de novas eleições. Porquê? Porque elas são a continuação das políticas de Passos Coelho e atingirão duramente parte substancial das classes médias. Ora, a Aliança Democrática precisa dos votos dessas classes médias e só as afrontará quando tiver uma maioria absoluta na mão. Até lá vivemos num interregno.

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