sábado, 30 de novembro de 2024

Invocação ao Sol (1)

José Dominguez Alvarez, sem título (Rua ao Sol), 1930 (Gulbenkian)

Treme um homem glabro

na luz violácea da doença,

uma agonia irreparável,

a ânfora solar no lento sorver

do suor pelo lenço.

 

É um homem nocturno,

dizimado pela fuligem,

carcomido pelo caruncho,

esventrado pela navalha romba

roubada ao vício da noite.

 

Quis amputar da vida a morte.

O sol semeou-lhe palha

no éter do caminho,

um feno rasteiro sobre a pele,

o cardume de silvas nas mãos.

 

Arranca do peito o vazio

sem fundo, mobiliza em palavras

redemoinhos de erva.

A ânfora solar derrama a dor,

o pesado bastão na vagem da vida.

 

(1993)

[Conjunto de cinco poemas pertencentes à série Cânticos da Terra Amarela]


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