quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Hinos marítimos (iii)

Hein Semke, Meerlandschaft-Lofoten, 1980 (Gulbenkian)

Uma pedra casta no centro do mar.

O frágil barco do coração

navega sob a inclemência marítima da luz.

Impérios de areia e algas,

dunas, vento trespassado pelo láudano

rasga a terra debruçada sobre as marés.

 

A baía vinda da infância,

o mar lento e sem ondas, o pórtico

por onde entra o fogo do sonho,

sai o incêndio do desejo.

 

Um caderno cor de cinza marítima,

o nome escrito, página a página,

nome vindo das águas, dedilhado nas ondas,

rasurado pela luz das glicínias,

o voo das gaivotas.

Escrito, o nome é uma bússola,

a salvação dos navegantes perdidos

na vertigem do mar, na fímbria do destino,

a água fremente do mar vinhoso.

 

O cais debrua a baía,

traineiras, alarido de vozes,

a luz na sonolência da tarde.

A rebentação salpica de sal a língua,

o caminho de farol a farol,

a água inquieta na púrpura dos dias:

o silêncio da serpente na sombra do mar,

a pedra na castidade do coração.

 

(1993)

[Conjunto de três poemas pertencentes à série Cânticos da Terra Amarela]

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