Álvaro Lapa, Conversa (quadro geral e exemplo), 1980 (Gulbenkian) |
Alexandria Ocasio-Cortez, membro da Câmara dos Representantes dos EUA e um dos elementos mais à esquerda do Partido Democrata, ficou perplexa ao perceber que parte daqueles que a elegeram também escolheram Trump para presidente. Decidiu perguntar, aos seus seguidores numa rede social, a razão de terem votado em perspectivas políticas tão diferentes. Três respostas que podem ser consideradas exemplares: (1) "Sinto que ambos são outsiders em comparação com o resto de D.C., e menos establishment". (2)"É muito simples... Trump e você preocupam-se com a classe trabalhadora." (3) "Trump vai arranjar-nos o dinheiro e vai permitir que os homens tenham voz. És brilhante e tens uma paixão incrível!"
Estas respostas são interessantes porque são sintomáticas; manifestam uma dor e deixam perceber a existência de uma doença ou, melhor, de várias. É verdade que tanto nos EUA como na União Europeia as instituições políticas foram capturadas pelas grandes multinacionais e as suas políticas económicas são, na verdade, uma defesa dos interesses dos grandes accionistas dessas empresas. As instituições democráticas tornaram-se aquilo que o marxismo disse que eram: formas de impor os interesses de uma classe - neste caso, muito específica e restrita - em detrimento dos interesses das outras, uma ditadura de classe, digamos assim. Isso implicou, devido aos processos de globalização e de imigração (os imigrantes vêm concorrer com os trabalhadores já existentes, o que traz a diminuição dos salários) o empobrecimento das tradicionais classes trabalhadoras, mesmo quando os países se tornam mais ricos.
No entanto, a votação dos trabalhadores norte-americanos em Trump não se deve apenas ao que poderíamos chamar a luta de classes. A terceira resposta, talvez a mais interessante, mostra duas coisas. O facto de alguém ter mais ou menos rendimento não se deve a si mesmo, ao seu esforço ou ao seu mérito. Deve-se aos políticos, isto é, ao Estado. Trump vai arranjar-nos o dinheiro. Há aqui a substituição do pensamento racional pelo pensamento mágico, onde o Estado, nas mãos do ungido, vai salvar quem está em apuros. A segunda parte da resposta mostra um outro problema quando se afirma que Trump (...) vai permitir que os homens tenham voz. É interessante que numa sociedade americana dominada por homens, onde existe uma cultura misógina e patriarcal, os homens sintam não ter voz.
Ora, muito do sucesso na vida está relacionado com o desempenho escolar e a iniciativa de cuidar do próprio futuro através da procura de formações académicas mais exigentes e mais elevadas. Como em Portugal, também nos EUA uma grande fatia do insucesso escolar e académico é dos homens. Enquanto as mulheres, pelo seu trabalho e exigência consigo mesmas, progridem, parte substancial dos homens fica fora da formação superior, acedendo apenas a empregos mal remunerados. São estes que esperam que Trump lhes traga dinheiro e que lhes dê voz. Há um problema grave nos sistemas educativos ocidentais que está a gerar uma situação explosiva. Tal como estão estruturados estes sistemas, parte substancial dos elementos masculinos da espécie ficará de fora da formação superior, o que trará ressentimento social e fará crescer a misoginia. O problema é de difícil resolução, pois a cultura em que é educada a maioria dos rapazes é adversa à disciplina e perseverança exigidas pelo sucesso académico. Só uma sociedade muito doente elege uma pessoa como Donald Trump.
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