Ana Hatherly, O Mar, 1971 (Gulbenkian) |
Balança-se
o líquido viscoso
entre
as carumas brandas do vento,
um
insecto ígneo a cintilar na noite,
preso
na areia, uma dor sem nome,
a
página pura rasurada pelo tempo.
Vieram,
na maresia da aurora, marinheiros.
De
uma língua rasa fizeram barcos,
enfrentaram
o ondular das ondas,
o
uivo da memória,
a
vida quebrada na gramática do naufrágio.
Mareantes
perdidos no visco marítimo,
algas
fétidas da proa ao convés.
As
palavras ecoam na fragilidade do coração,
sombras
suspensas na face.
Cansados
das águas, plantaram palmeiras,
árvores
raquíticas suspensas nas marés.
Mastros
altivos chegam na aurora,
o
silêncio arcaico coberto pela névoa.
Sobre
a voz do cais cantam sirenes,
mulheres
de preto pingam pelas ruas,
o
turbilhão de peixes arfa nas redes,
a
noite como um pássaro pelo chão.
Choram
sobre o mar as mulheres.
Os
marinheiros, cantando, zarparam,
espera-os
a voz ébria dos portos longínquos,
a
seda esquiva de outras mulheres,
escorraçadas
na agrura do sul,
tisnadas
pelo tumulto do cansaço.
(1993)
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