Recorre-se, não poucas vezes, à ideia de que a educação de um povo será uma garantia contra as tentações totalitárias. Esta ideia parece ser corroborada pelo facto de parte significativa do eleitorado da direita radical e da extrema-direita se encontrar entre pessoas com menor habilitação escolar. No entanto, o nazismo afirmou-se e chegou ao poder num dos países mais cultos da época, aquele que produziu os grandes teóricos do espírito crítico, como Immanuel Kant. Mais do que isso, se observarmos o mundo intelectual do século passado, descobrimos que parte significativa da intelectualidade esteve comprometida com soluções políticas inimigas da liberdade. Os intelectuais que se mantiveram fiéis a um espírito de liberdade foram, não poucas vezes, objecto de desprezo.
A crença salvífica na educação deve assim ser mitigada. Contudo, é plausível pensar que um povo mais instruído terá mais capacidade para descodificar os perigos que se escondem nos discursos radicais. As Humanidades – a Literatura, a História e a Filosofia – poderão ter um importante papel na formação de cidadãos menos permeáveis ao radicalismo político. Veja-se o papel da Literatura, nomeadamente do romance. Muitas vezes, na educação escolar, os textos literários são entendidos pelos alunos como uma matéria entre outras, cuja finalidade é fornecer informação para a sua avaliação. Ora, a Literatura e, em particular, o Romance é muito mais do que isso. Se as novas gerações aprenderem a ler romances, se descobrirem o prazer de seguir uma trama narrativa com as suas peripécias, estão a submeter-se a uma educação que os leva a descobrir e a conviver com mundos diferentes, que as obras trazem em si para o prazer e a descoberta dos leitores.
Ainda mais importante é a possibilidade que o romance fornece ao leitor para se tornar outro, ao seguir as peripécias das personagens romanescas. As personagens de um romance são modelos existenciais que nos fazem pensar e permitem descobrir a pluralidade dos modos de vida, a pluralidade das crenças e a pluralidade de pontos de vista moral. Uma boa educação literária é um caminho para entender os limites dos seres humanos, para compreender a insensatez que é querer submeter todas as pessoas a uma única crença política, para discernir a diferença entre os seres humanos e, assim, valorizar a pluralidade existencial. A educação literária não é uma educação política, mas deve ser um importante, embora não decisivo, modo para educar as novas gerações para a pluralidade, a qual está na base do pluralismo político e de regimes políticos democráticos.
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