sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Beatitudes (76) Das coisas raras

Alfred Stieglitz, Lago di Misurina, The Tyrol, 1891  

A quietude das montanhas, as águas paradas do lago, o silêncio que sombreia a floresta. Caminha-se pela senda rasgada na terra e espera-se encontrar a cabana que acolherá a solidão do viandante. Ali, pensa-se, a felicidade será possível, mesmo que a noite seja visitada por terríveis tempestades e a presença humana se rarefaça. Só o que é raro tem valor, mesmo se o perigo aí se oculta.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Invocação ao Sol (4)

Edward Hopper, Morning Sun, 1952

Sol de Verão rasgado pela corola,

a lógica animal trazida

pelos dias de Agosto,

o símbolo da abundância

semeado na ânfora da noite.

 

Árvores espraiam a seiva da sombra

sobre um campo de luz,

sobre oceanos de surda solidão,

a folhagem agreste a rasgar o corpo.

 

Quando o Verão vem,

as dunas deslizam pelas praias.

Mares de areia à solta

em paisagens de rochas e limos,

a lâmina curva a cintilar

no verde-azul a cerzir o horizonte.

 

Vigora uma ordem perfeita,

rasgão no pano-cru da atmosfera.

Da boca solar caem dias de lume,

lâmpadas de fogo na senda subterrânea,

no trabalho do espírito abrindo a carne

ao grito trémulo da língua.

 

Sobre o comboio dos dias

arde o bulício do astro,

o mosto entre as pernas das mulheres,

o sacrifício solar

no mármore opaco da escuridão.

 

(1993)

[Conjunto de cinco poemas pertencentes à série Cânticos da Terra Amarela]