terça-feira, 6 de maio de 2025

Faça a sua enciclopédia


O primeiro livro da Metafísica de Aristóteles começa com a afirmação: todos os homens, por natureza, desejam saber. Mobiliza como prova o prazer que os sentidos – e, acima de todos, o da visão – nos proporcionam, independentemente da utilidade que têm. O desejo de saber faz parte da nossa natureza. É no século XVIII que surge uma primeira grande resposta ao desejo de ter qualquer conhecimento à mão, embora já tivessem surgido, há muito, outras tentativas, embora menos articuladas. Trata-se da Enciclopédia, de Diderot e d’Alembert. Estes autores tinham a pretensão de reunir e organizar todo o saber humano. A partir daí, cresceram as enciclopédias. Em Portugal, foram famosas a Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e a Enciclopédia Verbo

Com a chegada da internet, o mundo da enciclopédia modificou-se radicalmente. Houve algumas que desapareceram, outras que se adaptaram, como a inglesa Encyclopædia Britannica e a francesa Encyclopædia Universalis. Trocaram o papel pelo digital e tornaram-se acessíveis, sem perder qualidade, à generalidade das pessoas. Uma das revoluções no domínio enciclopédico foi o nascimento, em 2001, da Wikipedia: uma enciclopédia completamente digital, de acesso livre, construída colaborativamente e em actualização contínua. Como se sabe, enfrenta problemas de fidedignidade, mas tem sido um instrumento de grande utilidade para muitos milhões de pessoas em todo o mundo. A Wikipedia tem uma natureza mais comunitarista, proporcionada pelo estabelecimento de laços, através da rede, entre pessoas que jamais teriam, de outro modo, qualquer projecto comum.

Hoje, porém, numa perspectiva liberal, cada um de nós pode fazer a sua enciclopédia. Os chatbots, como o ChatGPT (OpenAI) e o Gemini (Google), oferecem um modelo denominado pesquisa profunda: fazem investigações altamente estruturadas e orientadas pelos pedidos que lhes são feitos, devolvendo um relatório articulado sobre o assunto solicitado. Têm uma grande elasticidade. Basta que o utilizador peça uma nova investigação do mesmo assunto, a partir de outro ponto de vista, e, em poucos minutos, tê-la-á. Cada um pode ir construindo a sua enciclopédia, conforme o seu desejo de saber. Estas enciclopédias pessoais – com o aumento contínuo da informação disponível online e com o desenvolvimento da capacidade de detectar erros por parte dos chatbots – estão em incessante melhoria, tornam-se organismos vivos. Isto é uma revolução. Traz consigo tanto o perigo de uma hiperindividualização do conhecimento, com a diluição de critérios comuns, como a virtude da democratização do acesso ao saber. Para quem não deixou morrer em si o desejo natural de saber, é uma grande tentação.

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