O primeiro livro da Metafísica de Aristóteles começa
com a afirmação: todos os homens, por natureza, desejam saber. Mobiliza
como prova o prazer que os sentidos – e, acima de todos, o da visão – nos
proporcionam, independentemente da utilidade que têm. O desejo de saber faz
parte da nossa natureza. É no século XVIII que surge uma primeira grande
resposta ao desejo de ter qualquer conhecimento à mão, embora já tivessem
surgido, há muito, outras tentativas, embora menos articuladas. Trata-se da Enciclopédia,
de Diderot e d’Alembert. Estes autores tinham a pretensão de reunir e organizar
todo o saber humano. A partir daí, cresceram as enciclopédias. Em Portugal,
foram famosas a Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e a Enciclopédia
Verbo.
Com a chegada da internet, o mundo da enciclopédia
modificou-se radicalmente. Houve algumas que desapareceram, outras que se
adaptaram, como a inglesa Encyclopædia Britannica e a francesa Encyclopædia
Universalis. Trocaram o papel pelo digital e tornaram-se acessíveis, sem
perder qualidade, à generalidade das pessoas. Uma das revoluções no domínio
enciclopédico foi o nascimento, em 2001, da Wikipedia: uma enciclopédia
completamente digital, de acesso livre, construída colaborativamente e em
actualização contínua. Como se sabe, enfrenta problemas de fidedignidade, mas
tem sido um instrumento de grande utilidade para muitos milhões de pessoas em
todo o mundo. A Wikipedia tem uma natureza mais comunitarista,
proporcionada pelo estabelecimento de laços, através da rede, entre pessoas que
jamais teriam, de outro modo, qualquer projecto comum.
Hoje, porém, numa perspectiva liberal, cada um de nós pode
fazer a sua enciclopédia. Os chatbots, como o ChatGPT (OpenAI) e o
Gemini (Google), oferecem um modelo denominado pesquisa profunda: fazem investigações
altamente estruturadas e orientadas pelos pedidos que lhes são feitos,
devolvendo um relatório articulado sobre o assunto solicitado. Têm uma grande
elasticidade. Basta que o utilizador peça uma nova investigação do mesmo
assunto, a partir de outro ponto de vista, e, em poucos minutos, tê-la-á. Cada
um pode ir construindo a sua enciclopédia, conforme o seu desejo de saber.
Estas enciclopédias pessoais – com o aumento contínuo da informação disponível
online e com o desenvolvimento da capacidade de detectar erros por parte dos chatbots
– estão em incessante melhoria, tornam-se organismos vivos. Isto é uma
revolução. Traz consigo tanto o perigo de uma hiperindividualização do
conhecimento, com a diluição de critérios comuns, como a virtude da
democratização do acesso ao saber. Para quem não deixou morrer em si o desejo
natural de saber, é uma grande tentação.
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