domingo, 22 de fevereiro de 2015

A Europa e o minotauro

Pablo Picasso - Minotauro herido, caballo y personajes (1936)

A eleição e as primeiras negociações do actual governo grego com as instituições europeias trouxeram ao de cima uma realidade sempre presente mas que, por norma, permanece escondida. Trata-se da natureza puramente ideológica dos comentários e das reacções em Portugal. Por exemplo, perante o acordo conseguido entre a Grécia - com um governo completamente fora dos parâmetros dos actuais governos europeus - e o eurogrupo, o que se discutiu foi se a Grécia se submeteu ou se conseguiu alguma coisa de diferente. E esta discussão, absolutamente idiota, enche de ardor as partes em confronto, cada uma, através de contorções semânticas, tentando mostrar que o seu lado ganhou.

Que isso se passe nas conversas de café ou nos comentários das redes sociais é normal. No fundo, somos todos o homem do táxi que, por melancolia e entre bandeiradas, expõe a solução para os males do mundo, onde nunca falta o "só presos", para os malandros dos políticos. Já devia ser menos normal para quem faz opinião. Mas a identidade ideológica está tão arreigada dentro das pessoas que estas sentem, como uma questão de vida ou de morte, a necessidade de defender os seus. Qualquer facto que desminta a explicação do mundo que têm é pura e simplesmente descartado. No mundo da paixão política, não há factos, não há conhecimento. Há apenas paixão, pura e dura. Uma paixão irracional.

Muitas vezes esta paixão é desencadeada pelos actores políticos, como forma de obter ganhos eleitorais e manter ou conquistar o poder (a sua finalidade essencial). Isso, porém, tem uma contrapartida. É a própria paixão popular, a que se manifesta no espaço público, que contamina a decisão política e a afasta daquilo que poderia levar à morte do minotauro, esse monstro que assedia a Europa e se esconde no centro do labirinto da política europeia. A ausência de racionalidade na análise da situação, a sua transformação num despique entre hooligans de clubes rivais, a contaminação dos eleitorados por este tipo de jogos alimentam posições patológicas dos actores políticos, as quais nada contribuem para uma solução serena e equilibrada.

O que deveria estar em discussão no caso grego? Como pode a Grécia voltar a crescer para, desse modo, poder honrar os compromissos. Como poderá a Europa encontrar um caminho que consiga parar a sua decadência? Aquilo que esteve em jogo, contudo, foi outra coisa. Foi, e é, se a Grécia obedece ou não ao que lhe é imposto e que a levou, assim como a nós, ao abismo. Há uma racionalidade perversa nestas posições: reforçam a irracionalidade dos eleitorados de alguns países, tornando o ambiente cada vez mais efervescente. Em vez da serena racionalidade de Teseu, a Europa agita-se entre paixões, enquanto o minotauro vai devorando os seus filhos. Se, por acaso, surge um Teseu, as próprias vítimas do minotauro começam a tremer e a desejar a sua morte.

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