A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Enquanto andamos entretidos com as peripécias do caso grego, uns
ansiando pela humilhação de Tsipras e de Varoufakis, outros cantando hossanas ao
novo paraíso social que vêem no horizonte, o mundo desloca-se rapidamente e
parece tomar caminhos insuspeitos, caminhos que as nossas categorias mentais
são incapazes de perceber. Na verdade, aquilo que se passa na Europa, onde se
inclui a questão grega e a nossa pequena miséria, não passa de um problema de mercearia insignificante. Não é que as questões de mercearia não sejam
importantes, são-no, mas há mais mundo do que aquele que se vende numa
mercearia, mesmo que esta seja um hipermercado. As questões de mercearia
tomaram conta dos sonhos dos políticos, cegando-os para aquilo que está aí.
A questão para nós europeus – em especial para os ibéricos – tem uma
natureza religiosa e não económica. O problema vem crescendo há muito, mas só
agora começa a tomar contornos claros, que permitem perceber o quanto estão
desfocadas as nossas interpretações do mundo. Trata-se do avanço e do poder de
atracção do denominado Estado Islâmico (ISIS). As pessoas não fazem ideia, mas
esse grupo já domina uma área geográfica, na Síria e no Iraque, idêntica à da
Grã-Bretanha. Faz incursões no Egipto e penetrou na Líbia, onde espera abrir
uma porta para entrar na Europa. Nesta reivindicam como território próprio a
Península Ibérica, embora as fronteiras possíveis do Califado sejam o planeta.
Aquilo que chama a atenção das pessoas é o espectáculo da extrema crueldade com
que o grupo age, a ausência de compaixão perante os que são diferentes, a
insensatez dos jovens ocidentais que se lhe juntam, a capacidade militar que tem
evidenciado.
O perigo central, porém, vem das ideias que estão por detrás do
movimento. Para nós, são incompreensíveis, pois eles representam uma absoluta
recusa do mundo moderno. Crêem firmemente que se aproxima o apocalipse, que nos
aproximamos do Juízo Final, e que o Islão – sob sua direcção – se prepara para
derrotar Roma (o mundo cristão) e governar sobre a Terra, segundo a lei
corânica. Enquanto nós discutimos empréstimos, enquanto estamos visceralmente
ocupados com a evolução dos mercados, aqui ao lado estão a preparar o fim do
nosso mundo. Se o puderem fazer, se puderem destruir toda a nossa cultura e
civilização, eles fá-lo-ão. E têm algumas vantagens sobre nós: não têm medo de morrer
e crêem que são os emissários de Deus para pôr ordem na desordem do mundo. O
que mais pode mover um jovem do que sentir que a salvação da humanidade depende
da sua acção? Discutamos então a mercearia.
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