A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Devo a Zygmunt Bauman a descoberta do conceito de interregno tal como
foi pensado por Gramsci. Interregno é uma situação na qual a antiga maneira de
fazer as coisas já não funciona, mas ainda não se encontrou a nova forma de
resolver os problemas. Este conceito é interessante para caracterizar os tempos
que vivemos. De facto, as antigas soluções políticas – aquelas que faziam do
Estado um mecanismo para equilíbrio social e funcionamento democrático da
comunidade – deixaram de funcionar. As que têm sido agora utilizadas – fundadas
na ideia de que o mercado livre resolverá todos os problemas – também mostraram
que não servem. Como salienta Bauman, mesmo os governantes honestos estão
espartilhados entre a fidelidade aos eleitores ou aos investidores. O ser fiel
aos eleitores afasta os investidores. A lealdade aos investidores gera a fúria
e o ressentimento dos eleitores. Este impasse caracteriza o interregno em que
vivemos.
Não havendo solução disponível de momento, será importante compreender
como é que as elites políticas europeias se deixaram espartilhar entre o
capital global, do qual dependem os investimentos, e os eleitores locais, dos
quais depende a legitimidade para governar. Esta situação não foi o resultado
de uma evolução espontânea na vida das sociedades ocidentais. Ela não estava
inscrita na natureza do mundo. Ela resultou de uma deliberação política que
emancipou os capitais da tutela dos Estados. A situação em que vivemos foi uma
criação das próprias elites políticas ocidentais que trocaram os seus eleitores
pelos interesses dos grandes grupos financeiros. Dito de outra maneira, se hoje
em dia as elites políticas ocidentais estão de pés e mãos atadas, isso acontece
porque assim o quiseram.
Esta constatação não acaba com o interregno, não diz como se poderão solucionar
os problemas existentes, nomeadamente o da destruição das classes médias,
suporte dos regimes democráticos. Mas ao tornar claro que a actual situação se
deve à decisão dos políticos e que tem na origem uma opção política, nós
percebemos de imediato duas coisas. Em primeiro lugar, a alteração da situação
não pode vir da economia, das finanças, dos mercados. Em segundo lugar,
compreendemos que essa alteração tem de vir da política, de uma alteração das
práticas e das opções governativas. O que coloca aos actores políticos um
dilema. Ou deixam-se arrastar na situação actual, como o actual governo
português, ou procuram uma saída, fazendo da política um campo de experiências
e de inovação. A mercantilização da vida social e a aniquilação da política
falharam. A política continua a ser necessária. Uma nova política.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.