Max Beckmann - Declaration of war (1914)
Os acontecimentos de ontem na Dinamarca, na sequência dos de Paris, no Charlie Hebdo, vieram mostrar, mais uma vez, que a Europa tem um verdadeiro problema dentro das suas fronteiras. O terrorismo não é uma coisa que acontece longe, fora do espaço das nossas soberanias, mas pode acontecer em qualquer lugar dentro de portas. Não é a primeira vez que os europeus lidam com o problema. O terrorismo da ETA, em Espanha, e do IRA, no Reino Unido, são fenómenos relativamente recentes. Um pouco mais afastados no tempo. temos as experiências da Fracção do Exército Vermelho (grupo Baader-Meinhof), na Alemanha, das Brigadas Vermelhas, em Itália, das FP 25 de Abril, em Portugal, ou de grupos neo-fascistas, em Itália. Se recuarmos aos finais do século XIX e inícios do século XX, encontramos o terrorismo anarquista. O assassinato de D. Carlos e do príncipe herdeiro foi um ato terrorista e a própria República foi atravessada por diversos ataques terroristas. O terrorismo político é, desde há muito, um elemento importante da vida política na Europa. Por que motivo sentimos então que, perante o terrorismo islâmico, estamos diante de um fenómeno novo?
Uma explicação será o enviesamento que a distância temporal sempre provoca na humanidade. Aquilo que acontece agora, mesmo que seja a repetição de algo acontecido muitas vezes, traz uma força e um vigor que acabam por ser interpretados como algo de novo. No caso do terrorismo, porém, isso seria um erro, pois ele faz parte da nossa história política desde há muito. No entanto, para muitos europeus existe uma efectiva novidade no fenómeno actual. O terrorismo anterior era uma espécie de ritual inscrito dentro de uma lógica de guerra civil. O que se confrontava, nesses casos, eram perspectivas ocidentais sobre a forma de organizar a sociedade e de entender a política. Por inimigas que fossem, elas eram ainda irmãs. Os grupos terroristas e as autoridades constituídas, apesar de tudo o que os distinguia, partilhavam um mundo, uma cultura, uma cosmovisão que, ao cindir-se, gerara o conflito, mas que o tornava compreensível, embora inaceitável. O terrorismo introduzido pelo fundamentalismo islâmico, apesar de os executantes dos actos de terror poderem ter nacionalidades europeias, nasce de um mundo, de uma cultura e de uma cosmovisão que é completamente estranha à europeia. Este facto torna as motivações do terrorismo mais difíceis de compreender pela opinião pública.
No terrorismo político de origem ocidental havia a intenção de substituir a ordem política por uma nova ordem política, mas ainda com valores ocidentais. Por odioso que fosse, era um problema de família, digamos assim. O mundo, a cultura e a cosmovisão que sustentam o terrorismo islâmico são-nos estranhos. E é essa estranheza que se torna inquietante, mais inquietante do que aquilo que nasce no meio de nós. A estranheza é acentuada por um outro factor. O terrorismo de origem ocidental queria trocar uma ordem que considerava má por outra considerada melhor, mais pura e mais verdadeira, mais de acordo com os autênticos valores civilizacionais, mesmo que isso fosse um devaneio utópico. O terrorismo islâmico quer destruir a nossa ordem não apenas política, mas também cultural e civilizacional. Os nossos valores não são divididos, para os militantes do islamismo radical, entre bons e maus. São todos considerados maus e devem ser todos destruídos. É esta rejeição que faz parecer o actual terrorismo uma novidade. Por isso, cada ataque parece-nos uma declaração de guerra. Contudo, os países europeus têm experiência histórica suficiente para lidarem com o problema e para o eliminar dentro do quadro do Estado de direito, dentro dos nosso valores.
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