Salvador Dali - Ensoñación - Consigna: malgastar la deuda total (1933)
A questão do perdão da dívida grega - embora não seja isso o pretendido pelo actual governo - levanta um interessante debate moral. O perdão das dívidas, num âmbito bem definido, é moralmente certo ou errado? A crer no actual governo português, em linha com as pretensões alemãs e de outras potências da União Europeia, e nos comentadores e bloggers que o apoiam o perdão da dívida parece ser moralmente errado. A favor da tese do governo joga o senso comum. Os devedores não têm o dever absoluto de ressarcir os credores? E o senso comum responderá que sim, sem qualquer hesitação.
A desconfiança sobre a bondade moral de não perdoar, em certas ocasiões, as dívidas tem, contudo, um longo fundo histórico. Já o Código de Hamurabi, escrito na Mesopotâmia há 3500 anos, previa a possibilidade de perdoar dívidas excessivas ou impagáveis (ver aqui). Também na Bíblia se encontra a referência ao perdão. No Deuteronómio, quinto livro do Antigo Testamento, é referido que as dívidas devem ser canceladas ao sétimo ano (15:1-2 e 15:9). Também no Novo Testamento, em Mateus 18:27-35, é realçado o valor moral de quem perdoa a dívida por oposição daquele que o não faz. Do ponto de vista da história recente é conhecido perdão de 60% da colossal dívida da Alemanha, depois desta ter levado o mundo a duas guerras mundiais. A História parece registar uma visão diferente da actual nomenclatura da União Europeia e do governo português. Em certas ocasiões, quando as dívidas são excessivas ou impagáveis, é um acto moralmente bom o perdão da dívida. Em todos os casos citados é possível perceber que o perdão da dívida é também um acto de afirmação da civilização sobre a barbárie.
Para além de argumentos histórico-civilizacionais, que outros argumentos podemos aduzir em defesa de perdoar em certas circunstâncias as dívidas? Do ponto de vista de uma comunidade política, o perdão da dívida é moralmente aceitável quando ela é o resultado da acção conjugada de elites dirigentes incapazes e/ou corruptas e da pressão dos credores para que a dívida cresça. Por outro lado, em analogia com o que se está a fazer na Croácia (ver aqui e aqui) e tendo em consideração a moral kantiana, poder-se-á ainda pressupor que o perdão da dívida é moralmente aceitável se esta, pelo seu carácter excessivo e impagável, aniquilar a humanidade na pessoa do devedor ou em parte importante das pessoas que pertençam a uma comunidade política excessivamente endividada. Estes dois argumentos são suficientes para tornar evidente a bondade moral do perdão das dívidas.
Isto não significa que comunidades e indivíduos devedores não tenham o dever moral de cuidar das suas finanças, nem que a contumácia no endividamento deva ser continuamente coberta pelo perdão. Significa apenas que os credores, em certas circunstâncias, têm o dever moral (e aqui a leitura do Deuteronómio 15: 1-9 é muito interessante até devido às nuances no tratamento de estrangeiros e de compatriotas) de perdoar as dívidas, ou parte delas, de forma a restituir a plena humanidade aos que caíram na terrível armadilha da dívida excessiva. Esta bondade moral será sempre um sintoma de progresso civilizacional e, contrariamente ao que pensam os actuais poderes europeus excessivamente presos à ideia de punição dos filhos pródigos, será ainda uma inteligente atitude política. Quem fala em perdão da dívida poderá falar, ainda com mais propriedade, em reestruturação dessa mesma dívida para que os devedores possam organizar a sua vida e, podendo aceder a uma vida digna e civilizada, possam pagar o que devem.
A desconfiança sobre a bondade moral de não perdoar, em certas ocasiões, as dívidas tem, contudo, um longo fundo histórico. Já o Código de Hamurabi, escrito na Mesopotâmia há 3500 anos, previa a possibilidade de perdoar dívidas excessivas ou impagáveis (ver aqui). Também na Bíblia se encontra a referência ao perdão. No Deuteronómio, quinto livro do Antigo Testamento, é referido que as dívidas devem ser canceladas ao sétimo ano (15:1-2 e 15:9). Também no Novo Testamento, em Mateus 18:27-35, é realçado o valor moral de quem perdoa a dívida por oposição daquele que o não faz. Do ponto de vista da história recente é conhecido perdão de 60% da colossal dívida da Alemanha, depois desta ter levado o mundo a duas guerras mundiais. A História parece registar uma visão diferente da actual nomenclatura da União Europeia e do governo português. Em certas ocasiões, quando as dívidas são excessivas ou impagáveis, é um acto moralmente bom o perdão da dívida. Em todos os casos citados é possível perceber que o perdão da dívida é também um acto de afirmação da civilização sobre a barbárie.
Para além de argumentos histórico-civilizacionais, que outros argumentos podemos aduzir em defesa de perdoar em certas circunstâncias as dívidas? Do ponto de vista de uma comunidade política, o perdão da dívida é moralmente aceitável quando ela é o resultado da acção conjugada de elites dirigentes incapazes e/ou corruptas e da pressão dos credores para que a dívida cresça. Por outro lado, em analogia com o que se está a fazer na Croácia (ver aqui e aqui) e tendo em consideração a moral kantiana, poder-se-á ainda pressupor que o perdão da dívida é moralmente aceitável se esta, pelo seu carácter excessivo e impagável, aniquilar a humanidade na pessoa do devedor ou em parte importante das pessoas que pertençam a uma comunidade política excessivamente endividada. Estes dois argumentos são suficientes para tornar evidente a bondade moral do perdão das dívidas.
Isto não significa que comunidades e indivíduos devedores não tenham o dever moral de cuidar das suas finanças, nem que a contumácia no endividamento deva ser continuamente coberta pelo perdão. Significa apenas que os credores, em certas circunstâncias, têm o dever moral (e aqui a leitura do Deuteronómio 15: 1-9 é muito interessante até devido às nuances no tratamento de estrangeiros e de compatriotas) de perdoar as dívidas, ou parte delas, de forma a restituir a plena humanidade aos que caíram na terrível armadilha da dívida excessiva. Esta bondade moral será sempre um sintoma de progresso civilizacional e, contrariamente ao que pensam os actuais poderes europeus excessivamente presos à ideia de punição dos filhos pródigos, será ainda uma inteligente atitude política. Quem fala em perdão da dívida poderá falar, ainda com mais propriedade, em reestruturação dessa mesma dívida para que os devedores possam organizar a sua vida e, podendo aceder a uma vida digna e civilizada, possam pagar o que devem.
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