David Salle - Imitação (1993)
Não há nada ou quase nada, nos
comportamentos humanos, que não seja aprendido, e toda a aprendizagem reenvia
para a imitação. Se os homens, de repente, cessassem de imitar, todas as formas
culturais desapareceriam. Os neurologistas lembram-nos frquentemente que o
cérebro é uma enorme máquina de imitar. [Girard, René (1978). Des Choses Cachées Depuis la Fundation du
Monde. Éditions Grasset & Fasquele, pp. 15]
Eis o conceito central da aprendizagem, imitação. Daí a importância do
mestre, a quem discípulo deve imitar, até ao dia que, capacitado, pode
"matá-lo" e tornar-se assim em mestre e exemplo a imitar. O conceito
de mimésis, já em
Aristóteles, era um conceito complexo. A real imitação nunca é uma
reprodução mecânica do modelo. Este, porém, constitui-se no conteúdo noemático,
para falar à maneira da fenomenologia, que a intencionalidade do discípulo
visa. Esta intencionalidade implica uma configuração complexa, de gestos e
atitudes, para lograr a imitação, implica um trabalho árduo para
alcançar o modelo. Este trabalho, porém, tem uma função surpreendentemente
libertadora. Aquele que trabalha arduamente para imitar vai descobrir as suas
próprias forças e o seu próprio caminho. Assim, se libertará do modelo.
Aquilo que no ensino de hoje se propõe, porém, é o contrário disto. A
imitação, e o concomitante trabalho árduo, foram banidos. A criança e o jovem
não devem imitar. Terão de ser criativos e de ser inovadores. Não há maior
armadilha que se possa fazer a uma criança ou a um jovem que exigir que
ele seja criativo e inovador (fazem-me rir as idiotices - repito para que
não restem dúvidas, idiotices - que se encontram em muitos documentos de
avaliação de alunos, paridos por escolas, professores e organismos do
ministério, sobre avaliar criatividades e espíritos de inovação). A
criatividade e a inovação só podem nascer após um longo processo mimético. Como
pode um sistema de ensino que baniu os modelos a imitar, que desprezou o acto
mimético e o complexo trabalho que ele requer, exigir, com tamanha falta de
pudor e de probidade intelectual, que crianças e jovens sejam criativos e
inovadores? (averomundo, 2009/12/10)
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