No governo do homem, no serviço do céu,
nada como temperança.
Lao Tse, Tao Te
King, LIX
Durante
meses meditou, olhando a balança suspensa do tecto. Observava o mecanismo
perfeito, a figura com que a exactidão se adornou, o sentido que nascia do
equilíbrio dos pratos. Que mistério se esconderia naquele artefacto que os
homens um dia, para regularem as suas trocas, teriam inventado? Por vezes, se a
meditação se prolongava, caía num estado de sonolência e estranhas visões
perpassavam por si. O céu e a terra abraçavam-se e, com um ardor desmedido,
entregavam-se a singulares jogos de amor.
Foi assim
que viu nascer Thémis, a deusa que,
filha do céu e da terra, pertencia à estirpe titânica. Uma visão mostrou-lhe
que da mãe, Geia, recebeu o corpo terrestre com que, na sua longa meditação, a tinha
sonhado e do pai, Urano, sem que alguém compreenda o mistério da herança, veio-lhe
um espírito de equilíbrio e de moderação. Quando, numa longa noite de insónia e
recolhimento, a viu adulta e bela, descobriu-lhe na mão a balança que ele
próprio contemplara durante meses. Sim, a balança que caía do tecto de sua casa
abriu-lhe o espírito para essa outra balança que trazia a justiça aos homens.
Então
decidiu contar a história dos deuses, deixar testemunho sobre a terra como os
imortais vieram à existência e que tesouros escondiam as suas imagens. Nas praças,
ele falava acima de tudo do equilíbrio da balança, de como o mais leve sopro enlouquecia
os pratos e introduzia o caos na vida dos homens e das cidades, um caos sulfuroso
que aquele belo mecanismo, na mão da deusa, media sem parar. O importante,
dizia então, é descobrir o limite, saber com precisão o tamanho do passo a dar,
a cor e a textura da palavra a dizer, a firmeza com que a mão fechada deve
castigar o excesso e a arrogância.
Nos dias
mais quentes, o poeta sentava-se, solitário, debaixo de um árvore e meditava
longas horas sobre o poder do Sol e a força do calor. Depois, ao retornar ao
contacto com os outros, dizia: um mundo vulcânico habita sob o império da
harmonia e é preciso que, a cada instante, aquele que é sábio equilibre os pratos
da balança para que a lava incandescente, que dorme no fundo do homem, não
encontre uma porta de saída e destrua o mundo.
Nos dias de neve e de frio cortante, como pode o poeta derreter a lâmina de gelo que o mundo tem no seu interior?
ResponderEliminarBoa semana
Uma boa semana e com menos ventania.
EliminarAbraço