Que elo ligará o decaído Lance Armstrong a Taro Aso,
ministro japonês das Finanças? Aparentemente, nenhum. Com alguma
atenção, porém, descobriremos que, apesar da diferença étnica, da
distinção de funções e da diversidade de destinos, há um pano de fundo
que os une e os mostra como pertencentes à mesma cultura, partilhando o
mesmo enquadramento ideológico.
O que marca o ciclista americano não é ter sido idolatrado pelos
feitos realizados na Volta à França, nem ter revelado agora a sua faceta
de vilão. O essencial é o carácter altamente competitivo da personagem.
Armstrong é um espelho fiel das nossas sociedades, da ideologia que as
impregna, dos fins últimos que propõem à vida dos homens. A ideia
central é vencer a todo o custo. O desporto de alta competição é um dos
principais veículos dessa ideologia. Nele não há história nem destino
para os derrotados e isso é a imagem da sociedade de mercado. E, por
estranho que pareça, é o facto de ter sido descoberta a batota que torna
Armstrong mais verdadeiramente símbolo da sociedade, pois revela aquilo
que ela pratica, mas esconde. Armstrong, ao confessar a sua
desonestidade desportiva, revelou a natureza da sociedade que o
produziu. A exigência de uma competitividade para além daquilo que é
humanamente suportável, uma competitividade que conduz os mais
competitivos a abdicar da sua dignidade para vencer custe o que custar.
É essa mesma ideologia que leva o ministro Japonês das Finanças a
dizer que os idosos doentes, sem esperança de recuperação, devem morrer
rapidamente para o bem da economia. A questão da manutenção artificial
da vida, quando a expectativa de recuperação é nula, é um problema
complexo e que merece meditação cuidada. O que é chocante, para uma
consciência moral bem formada, é a justificação económica, dada por Taro
Aso, para essa morte rápida. Ela significa que a vida humana se tornou
uma mercadoria e que tem um preço. Quando o filósofo alemão, Immanuel
Kant, distinguiu as pessoas das coisas, referiu que as pessoas, ao
contrário das coisas, não têm um preço, mas possuem dignidade, pois são
um fim em si mesmas. Quando a rapidez da morte humana é avaliada em
termos económicos, a dignidade da pessoa foi destruída e substituída por
um preço.
É o mesmo tipo de sociedade que leva alguém a fazer batota para
vencer ou que põe na boca de um alto responsável político a negação da
dignidade da pessoa humana e a sua transformação em mera coisa. A
sociedade em que vivemos deixou de ser uma sociedade humana e tornou-se
um aglomerado de coisas.
Para esta sociedade de humanóides, Armstrong transformou-se na verdade da mentira e Taro Aso na "pseudomentira" da verdade.
ResponderEliminarInfelizmente, não tenho dúvidas.
Bom fim-de-semana
Abraço
Esta é uma sociedade pós-humana, uma sociedade em que já não há lugar para a humanidade.
EliminarBom fim-de-semana.
Abraço