Não se exibindo então brilha
não se afirmando então figura
não se vangloriando então tem mérito
não se enaltecendo então perdura.
Lao Tse, Tao Te
King, XXII
Escreveram
que era o discípulo amado, mas não houve quem soubesse interpretar tal palavra.
Pintores houve que o figuraram reclinado no peito do mestre, outros viram-no
escrevendo laboriosamente no exílio a que a insensata política de Roma o
condenara. Durante quatro anos exercitou-se duramente e aprendeu a domar o fogoso
animal que habitava o seu coração. Sim, era um homem como os outros, um pobre
pescador a que vida dera mais do que poderia esperar, mas precisava de aprender
a lidar com esse excesso, a compreender de onde vinha e para onde se dirigia.
Foi uma
longa aprendizagem que o levou ao desprendimento de si, um duro discipulado para
que na escuridão do vazio, assim nascido, brilhasse a mais pura das luzes. Um
dia descobriu que a exaltação que fervia em si, o secreto orgulho de ter
convivido com o Mestre, não passava de uma triste e vergonhosa ilusão. Pediu ao
Altíssimo que lhe fosse concedida a graça de se esquecer até do seu nome. Não,
foi a resposta que escutou no fundo do peito. Tinha de enfrentar o dragão da
vanglória e trespassá-lo com a espada da negação. Não a negação do nome, mas do
desejo de se esquecer e de abandonar todos os desejos. Ser homem era a sua
figuração e tinha de a aceitar.
Tremeu na
hora em que descobriu o frágil e impotente homem que era, a pobre gota de água
que a areia logo esconde e leva para a pátria da ausência. Estava, agora mais
do que nunca, pronto para abandonar a ilha, e, desprendido de si, desprendido
até do desprendimento, esperou pela hora propícia para retomar o mundo. Trazia
uma estranha revelação. Não era um livro para entregar ao ócio dos intérpretes
nem uma história do passado ou uma profecia inquietante e sombria do futuro.
Era apenas a pura presença do vazio em que ele se tinha, no duro exílio,
tornado, era o resultado da lenta aprendizagem do desprendimento. Não se
esquecera de si. Sabia o seu nome e o dos pais, sabia da arte de lançar as
redes ao mar e trazer peixes para a mesa dos homens. Sabia, inclusive, as horas
que passara conversando com o Mestre e o que, com Ele, aprendera. Tudo isso,
porém, deixara de ter importância. Desprendido de si, vazio de toda a glória,
podia dizer, sem insensatez e sem vaidade, que nele estava a vida e a vida era luz dos homens.
Admito que não concorde com o meu comentário, mas, numa outra "dimensão" e noutro "registo", lembrei-me de Ernesto Che Guevara.
ResponderEliminarTenha uma boa semana
Um abraço
Os textos são abertos e, por isso, são passíveis de várias leituras e de vários preenchimentos. Na verdade, porém, o guevarismo nunca exerceu sobre mim, ao contrário de outras coisas mais ou menos semelhantes, qualquer espécie de atracção.
EliminarUma boa semana.
Abraço.