domingo, 27 de janeiro de 2013

Meditações taoistas (12)

Não se exibindo então brilha
não se afirmando então figura
não se vangloriando então tem mérito
não se enaltecendo então perdura.
Lao Tse, Tao Te King, XXII

Escreveram que era o discípulo amado, mas não houve quem soubesse interpretar tal palavra. Pintores houve que o figuraram reclinado no peito do mestre, outros viram-no escrevendo laboriosamente no exílio a que a insensata política de Roma o condenara. Durante quatro anos exercitou-se duramente e aprendeu a domar o fogoso animal que habitava o seu coração. Sim, era um homem como os outros, um pobre pescador a que vida dera mais do que poderia esperar, mas precisava de aprender a lidar com esse excesso, a compreender de onde vinha e para onde se dirigia.

Foi uma longa aprendizagem que o levou ao desprendimento de si, um duro discipulado para que na escuridão do vazio, assim nascido, brilhasse a mais pura das luzes. Um dia descobriu que a exaltação que fervia em si, o secreto orgulho de ter convivido com o Mestre, não passava de uma triste e vergonhosa ilusão. Pediu ao Altíssimo que lhe fosse concedida a graça de se esquecer até do seu nome. Não, foi a resposta que escutou no fundo do peito. Tinha de enfrentar o dragão da vanglória e trespassá-lo com a espada da negação. Não a negação do nome, mas do desejo de se esquecer e de abandonar todos os desejos. Ser homem era a sua figuração e tinha de a aceitar.

Tremeu na hora em que descobriu o frágil e impotente homem que era, a pobre gota de água que a areia logo esconde e leva para a pátria da ausência. Estava, agora mais do que nunca, pronto para abandonar a ilha, e, desprendido de si, desprendido até do desprendimento, esperou pela hora propícia para retomar o mundo. Trazia uma estranha revelação. Não era um livro para entregar ao ócio dos intérpretes nem uma história do passado ou uma profecia inquietante e sombria do futuro. Era apenas a pura presença do vazio em que ele se tinha, no duro exílio, tornado, era o resultado da lenta aprendizagem do desprendimento. Não se esquecera de si. Sabia o seu nome e o dos pais, sabia da arte de lançar as redes ao mar e trazer peixes para a mesa dos homens. Sabia, inclusive, as horas que passara conversando com o Mestre e o que, com Ele, aprendera. Tudo isso, porém, deixara de ter importância. Desprendido de si, vazio de toda a glória, podia dizer, sem insensatez e sem vaidade, que nele estava a vida e a vida era luz dos homens.

2 comentários:

  1. Admito que não concorde com o meu comentário, mas, numa outra "dimensão" e noutro "registo", lembrei-me de Ernesto Che Guevara.
    Tenha uma boa semana

    Um abraço

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    Respostas
    1. Os textos são abertos e, por isso, são passíveis de várias leituras e de vários preenchimentos. Na verdade, porém, o guevarismo nunca exerceu sobre mim, ao contrário de outras coisas mais ou menos semelhantes, qualquer espécie de atracção.

      Uma boa semana.

      Abraço.

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