domingo, 13 de janeiro de 2013

Meditações taoistas (10)

Quem conhece o outro é sábio,
quem conhece a si mesmo é iluminado.
Quem vence o outro tem força,
quem vence a si é forte.
Lao Tse, Tao Te King, XXXIII

Não foi quando, sobre o amor, escutou a lição de Diotima, nem quando o oráculo de Delfos o proclamou o mais sábio entre os homens, que a luz brilhou no coração de Sócrates e ele descobriu quanto era forte. Muitos foram os combates em que participou. Fez a guerra e afrontou a arrogância dos atenienses. Em cada batalha saiu vencedor, criando inimigos implacáveis e uma corte de jovens aduladores sedentos de o seguir. Ao envelhecer, começou a rir da sua sabedoria e achou caricata a força que dele fizera um combatente digno de louvor. Para que lhe serviu ser herói de guerra ou ter mostrado aos outros que os conhecia melhor do que eles a si mesmos se conheciam?

A família, a cidade de Atenas, a vaidade do mundo cansavam-no e nem o teatro de Eurípides o animava. Deixou então o espírito vogar no desconsolo da vida, escondeu de Platão o cepticismo que lhe corroía o coração, semeou aqui e ali um sinal do que lhe ia na alma, uma incongruência que o discípulo, inconsciente e fascinado pela aura do mestre, registará nos diálogos, e que a posteridade nunca saberá interpretar, seduzida pelo brilho da lógica, pela novidade da personagem. Nem quando, dirigindo-se a Críton, pediu que pagasse um galo em dívida a Asclépio compreenderam a dor que o tinha atormentado e da qual o deus o libertava.

O processo que lhe moveram foi a sua salvação. As intrigas da cidade e a inveja dos mortais levaram os atenienses a condená-lo à morte. Os motivos eram fúteis e a culpa inexistente. Nesse instante, porém, Sócrates respirou aliviado. Encontrara um caminho, o sentido definitivo. Uma coisa sabia agora. Pouco faltava para que o corpo pesado e incapaz se desligasse, pela vontade dos seus concidadãos, da alma. Esperou, firme e esperançado, que os peregrinos retornassem de Delos. Quando chegaram, conversou o dia inteiro com os amigos. Depois, à hora marcada, tomou banho, despediu-se de todos e olhou a morte, que entretanto chegara. Nos olhos desta, descobriu-se forte e sorriu. Pegou na taça e, como o determinado pelos arcontes, tomou o veneno. Enquanto a vida se ia retirando do corpo, uma luz cresceu na alma que, iluminada e silenciosa, entrou no além.

4 comentários:

  1. será A morte como destino ou como validação de um caminho?
    A incongruência é o que de mais belo pode existir na humanidade, a lineariedade é meramente mecânica.
    Um texto para apreciadores de cicuta.

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  2. De filosofia, faço minhas as palavras de Sócrates.
    No destino não acredito, já na morte não tenho outro "remédio", que não é necessariamente a cicuta.

    Boa semana

    Abraço

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    Respostas
    1. Talvez a erva usada não tenha sido a cicuta. Parece que não havia na Grécia. Mesmo os sintomas descritos não correspondem ao efeito da cicuta, mas de uma erva da mesma família chamada "cónio".

      Abraço

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