Quem conhece o outro é sábio,
quem conhece a si mesmo é iluminado.
Quem vence o outro tem força,
quem vence a si é forte.
Lao Tse, Tao Te
King, XXXIII
Não foi
quando, sobre o amor, escutou a lição de Diotima, nem quando o oráculo de
Delfos o proclamou o mais sábio entre os homens, que a luz brilhou no coração
de Sócrates e ele descobriu quanto era forte. Muitos foram os combates em que
participou. Fez a guerra e afrontou a arrogância dos atenienses. Em cada
batalha saiu vencedor, criando inimigos implacáveis e uma corte de jovens
aduladores sedentos de o seguir. Ao envelhecer, começou a rir da sua sabedoria
e achou caricata a força que dele fizera um combatente digno de louvor. Para
que lhe serviu ser herói de guerra ou ter mostrado aos outros que os conhecia
melhor do que eles a si mesmos se conheciam?
A família,
a cidade de Atenas, a vaidade do mundo cansavam-no e nem o teatro de Eurípides
o animava. Deixou então o espírito vogar no desconsolo da vida, escondeu de
Platão o cepticismo que lhe corroía o coração, semeou aqui e ali um sinal do
que lhe ia na alma, uma incongruência que o discípulo, inconsciente e fascinado
pela aura do mestre, registará nos diálogos, e que a posteridade nunca saberá
interpretar, seduzida pelo brilho da lógica, pela novidade da personagem. Nem
quando, dirigindo-se a Críton, pediu que pagasse um galo em dívida a Asclépio
compreenderam a dor que o tinha atormentado e da qual o deus o libertava.
O processo
que lhe moveram foi a sua salvação. As intrigas da cidade e a inveja dos
mortais levaram os atenienses a condená-lo à morte. Os motivos eram fúteis e a
culpa inexistente. Nesse instante, porém, Sócrates respirou aliviado. Encontrara
um caminho, o sentido definitivo. Uma coisa sabia agora. Pouco faltava para que
o corpo pesado e incapaz se desligasse, pela vontade dos seus concidadãos, da
alma. Esperou, firme e esperançado, que os peregrinos retornassem de Delos.
Quando chegaram, conversou o dia inteiro com os amigos. Depois, à hora marcada,
tomou banho, despediu-se de todos e olhou a morte, que entretanto chegara. Nos
olhos desta, descobriu-se forte e sorriu. Pegou na taça e, como o determinado
pelos arcontes, tomou o veneno. Enquanto a vida se ia retirando do corpo, uma
luz cresceu na alma que, iluminada e silenciosa, entrou no além.
será A morte como destino ou como validação de um caminho?
ResponderEliminarA incongruência é o que de mais belo pode existir na humanidade, a lineariedade é meramente mecânica.
Um texto para apreciadores de cicuta.
Talvez a morte seja um destino que valida um caminho.
EliminarDe filosofia, faço minhas as palavras de Sócrates.
ResponderEliminarNo destino não acredito, já na morte não tenho outro "remédio", que não é necessariamente a cicuta.
Boa semana
Abraço
Talvez a erva usada não tenha sido a cicuta. Parece que não havia na Grécia. Mesmo os sintomas descritos não correspondem ao efeito da cicuta, mas de uma erva da mesma família chamada "cónio".
EliminarAbraço