Pieter Bruegel the elder - Acedia
Talvez tenha sido Evagro de Ponto (século IV depois de Cristo)
quem colocou a acédia na lista dos
pecados mortais. Faria parte de um conjunto de oito males que podem atingir
aquele que se dedica à vida espiritual. Posteriormente, esta lista foi reduzida
a sete por Gregório Magno (século VI), tendo a acédia sido retirada e, porventura, fundida na preguiça. Esta
conduta tida como viciosa compreendia a desatenção e o descuido relativamente a
si mesmo e um desinteresse pelo mundo, o que conduziria ao não cumprimento dos
deveres, fossem estes de ordem espiritual ou de ordem mundana.
A acédia é, mais
do que a posterior preguiça, uma conduta viciosa, digamos assim, interessante. Se
olharmos para os outros pecados capitais (gula, avareza, luxúria, ira, inveja e
orgulho ou soberba) descobrimos que eles nascem de uma hipervalorização do ego, de um excesso de sentido com que este é investido. A acédia, pelo contrário, marca um desinteresse por si mesmo. Ela
encontra-se numa experiência limite, na qual o mundo e a própria pessoa
perderam o sentido. Pode-se sempre olhar para a acédia como uma patologia
do foro psicológico, tipo depressão. Isto significaria transformar um pecado
numa doença do foro psicofisiológico, mas tanto a sua interpretação religiosa
como a médica acabam por desviar o olhar da experiência que a acédia representa.
Ela pode ser pensada como um desinvestimento deliberado do
indivíduo na tarefa de dar significação tanto ao mundo como a si mesmo. Esta
interpretação acentua o carácter activo que estaria na origem da acédia. No entanto, a acédia também pode resultar de uma
compreensão – súbita ou mediada por longa reflexão – da insignificância de si e
do mundo, uma revelação de que nada tem, objectivamente, sentido e o sentido
que se atribui às coisas e a si-mesmo não passa de uma presunção pessoal e/ou
colectiva, mas sempre uma presunção. Esta revelação pode ser de tal modo
assombrosa que o indivíduo se torna incapaz de levar a sério as tarefas de dar
sentido a si e ao mundo e acreditar nesse sentido que ele atribui. Descoberta a
grande ilusão, o indivíduo pode já não ter energia para investir naquilo que
fica para além do sentido e da significação.
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