Nadar - Russian anarchist Michael Bakunin (1864)
Pensa-se que o anarquismo é hoje em dia um ideal político - ou uma ideologia, para ser mais preciso - praticamente morta. No entanto, aquilo que a constitui - a liberdade pensada como revolta contra a autoridade e o dever de obediência ao Estado ou a qualquer outra instância - está longe de ter morrido. O anarquismo do século XIX, de feição operária, está, claro, morto e enterrado, mas, curiosamente, encontramos não apenas à esquerda mas também à direita a existência dessa revolta contra o Estado e a autoridade. Mesmo a ideologia do Estado mínimo é, de certa forma, uma filha, emburguesada, desse anarquismo.
Esta revolta contra a autoridade tem uma vertente religiosa. Ela é uma revolta contra a transcendência, contra tudo aquilo que ultrapassa o indivíduo. Isso está muito claro num cartaz da década de oitenta do século XIX (ver aqui), onde Bakunin é apresentado não apenas como o Danton moderno, mas como o criador do niilismo e o apóstolo da anarquia. O niilismo russo é, essencialmente, uma negação do divindade, enquanto o anarquismo é, como se disse acima, uma negação da autoridade, negação essa que decorre da negação anterior. Como se percebe, o anarquismo não resulta de uma análise racional da realidade humana, mas de convicções de natureza religiosa, de uma espécie de teologia invertida.
É esta energia religiosa que tornou, durante muito tempo, os anarquistas perigosos. E ela continua a operar naqueles que são os seus herdeiros tanto à esquerda como à direita. Move-os uma fé contra a autoridade, uma fé que, no anarquismo de direita ou libertarismo, se centra no culto do mercado, uma fé que não admite qualquer análise crítica e que se multiplica através de um apostolado persistente. O cartaz citado, talvez preso à ingenuidade do século XIX, acaba por tornar patente o espírito que se move sob a capa dos vários cultos libertários: Para vencer os Inimigos do proletariado é necessário destruir, destruir mais uma vez, destruir sempre. Pois o espírito destruidor é ao mesmo tempo o espírito construtor. Se retirarmos a expressão Inimigos do proletariado, ficamos praticamente com a fórmula de Joseph Schumpeter que tem guiado a ascensão do neoliberalismo. O devaneio teológico dos diversos anarquismos centra-se todo ele num espírito de destruição, que é sempre travestido como espírito criador.
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