A minha crónica em A Barca.
A adesão de Portugal à então CEE – hoje, União Europeia –
estabilizou a democracia e permitiu aos portugueses tornarem-se um pouco menos
miseráveis do que eram. O país abriu-se à modernidade e foi-se tornando mais
cosmopolita. Essa adesão representou a escolha de um destino e uma abertura
para dar uma maior solidez ao país. Contudo, há um elemento que, apesar de ser,
aparentemente, bom, teve efeitos, do ponto de vista da psicologia social dos
portugueses, negativos. Trata-se do dinheiro – em somas avultadas para os
nossos padrões – que essa adesão fez entrar em Portugal. Permitiu fazer coisas
inconcebíveis antes da adesão. Esse dinheiro, porém, veio facilitar todo um
modo de vida cujos resultados se manifestam, de forma mais visível, nas dívidas
pública e privada, nas falências dos bancos e nos processos judiciais
envolvendo destacadas figuras das elites económicas e políticas.
Não é que Portugal fosse, antes da adesão à CEE, imune à
corrupção e ao tráfico de influências. Não era, nem de perto nem de longe. Com
uma cultura social baseada no favor, na cunha e no compadrio, os germes que
iriam gerar a grande corrupção já estavam todos aí. A entrada de rios de
dinheiro, dinheiro fruto do trabalho de terceiros, foi uma oportunidade que a
tradicional habilidade dos portugueses não deixou de aproveitar com os
resultados que agora todos começamos a perceber. O que é espantoso, depois de
tudo o que se tem passado, é a aceitação que este descalabro encontra nas
pessoas. É um facto que, por todo o lado, se diz mal dos políticos e das
elites, mas isso, na verdade, não representa um desejo efectivo de pôr fim a
este tipo de coisas.
Há falta de uma consciência cívica que exija uma maior
transparência na gestão dos bens públicos. Continua a não existir, por parte da
generalidade dos portugueses, a necessidade de exercerem um controlo muito mais
apertado, como aquele que é exercido pelos cidadãos do norte da Europa, sobre os
que gerem a res publica. É uma coisa
que parece não lhes dizer respeito. É sentida, quando o é, como um caso de
polícia e de tribunais. A questão que se deve colocar é a seguinte: o que faz
de nós, portugueses, pessoas tão complacentes com os desmandos que ocorrem no
bem comum? A resposta não é fácil, mas ela deverá combinar aspectos como a
nossa velha cultura de compadrio, o desrespeito generalizado pelos bens da
comunidade e o temor pela frugalidade que uma gestão adequada imporia a todos.
E é neste emaranhado de razões que está o principal problema que o país
enfrenta.
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