A minha crónica no Jornal Torrejano.
Há umas semanas noticiou-se que a editora de Agustina
Bessa-Luís mandara retirar do mercado os livros desta autora. Parece que já não
vendia o suficiente. Há claramente um conflito negocial, digamos assim, entre a
editora e representantes da escritora. Não é esse assunto que me interessa, mas
um que lhe está ligado. Agustina foi durante muitos anos, ao lado de José
Saramago e de António Lobo Antunes, uma escritora com um amplo mercado. Como
Saramago e Lobo Antunes, a escritora nortenha não escrevia literatura de
entretenimento. Estávamos – e estamos, pois ainda é viva – perante uma autora
brilhante, provocadora e, literariamente, exigente. Neste episódio, e independentemente
da guerra negocial, há qualquer coisa que nos deveria fazer pensar.
Se olharmos para o século XX, há um conjunto de escritores
bastante interessantes que entraram num limbo e que parecem estar a apagar-se
da memória nacional. Sem ser exaustivo, recordo José Rodrigues Miguéis, Carlos
de Oliveira, Vergílio Ferreira, José Cardoso Pires, Augusto Abelaira, Irene
Lisboa, Fernanda de Castro, José Régio, Jorge de Sena, Vitorino Nemésio, Ruben
A., Maria Judite Carvalho, Nuno Bragança e Fernanda Botelho. Haverá nesta lista
esquecimentos imperdoáveis, mas isso é irrelevante. Outros ainda estão bem
vivos nas escolhas dos leitores. Alguns dos autores referidos ainda terão o seu
público, mas a sensação que se tem é que a memória das suas obras encolhe a
cada dia que passa. É esta retracção da sua presença no espaço mental português
que nos deveria preocupar.
O século XX foi ontem. E se a História é fundamental para o
compreendermos, a literatura que nele se escreveu tem uma importância idêntica.
Aquilo que somos – e o que somos é sempre múltiplo e diferenciado – repercute-se
nas diferentes obras literárias. A complexidade e a riqueza do ser português do
século XX estão plasmadas nessas obras. Ora se elas se forem apagando por falta
de leitores, é uma parte – e das mais importantes – de nós que morre ao
abandono. Não ler a literatura do século XX – e a dos anteriores, diga-se –
significa que deixámos de nos interessar por quem somos. Ler as obras já de
nada valerá a muitos dos autores do século XX, pois já morreram. No entanto,
pode-nos valer a nós, ajudar-nos a saber quem somos e porque estamos onde
estamos. Um povo que deixa – por desinteresse e ignorância galopante – apagar-se
a memória da sua literatura é um povo que está doente, muito doente. Não
façamos com os escritores do século XX um triste clube dos escritores traídos.
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