A imagem das pessoas e o desejo que delas sentimos são
regulados pelos mesmos mecanismos que regem os mercados onde se transaccionam os
bens de consumo. Sempre que um produto é escasso o preço sobe. Quando existe em
excesso, relativamente à procura, o preço desce. Aplicar esta estrutura de
fixação do valor das mercadorias à imagem de uma pessoa – por exemplo, de um
político – não é inadequado. É verdade que um político não é uma coisa, um bem
transaccionável (ou pelo menos não deveria ser). No entanto, a chamada lei da
oferta e da procura está assente não na mercadoria e no dinheiro, mas no
desejo. Uma coisa torna-se valiosa porque é escassa para o desejo que ela ateia
entre os seres humanos.
É aqui que o actual Presidente da República corre o maior
dos riscos. Não é por, até aqui, ter suportado o governo de esquerda ou por,
amanhã, deixar de o suportar e apoiar um governo de direita que ele corre
riscos. Com Marcelo Rebelo de Sousa isso deixou de ser essencial. O perigo
reside em começar a haver excesso de oferta de Marcelo. A sua imagem
banaliza-se cada vez que ele surge sem que se vislumbre a necessidade da sua
presença. Esta vulgarização da imagem presidencial está a degradá-la. Uma
chacota contínua abate-se já sobre as suas múltiplas e inusitadas aparições.
Não é aquela chacota raivosa que os adversários políticos faziam cair sobre
Mário Soares ou Cavaco Silva. O escárnio não contém raiva mas um cada vez maior
desprezo. Ora esta zombaria tem o poder de diminuir nos eleitores o desejo de escutar
o Presidente.
Atrás da diminuição do desejo dos cidadãos vem o decréscimo
da autoridade política. E um Presidente da República, no quadro constitucional
português, precisa de uma clara e inequívoca autoridade política. Ele não é um adereço
da República. É um jogador com uma legitimidade própria e com um papel central
na regulação do sistema. Se a sua palavra e imagem se gastam nos assuntos mais
corriqueiros ou afastados da função presidencial, isso acabará por desvalorizar
a palavra política quando esta for necessária. Quem tem opinião sobre tudo, não
tem opinião que mereça ser escutada. Quem está em todo o lado, acaba por tornar
a sua presença uma irrelevância. E o país, com as dificuldades que enfrenta
precisa de tudo menos de um Presidente irrelevante. O Presidente deveria saber
que a máxima “nada em excesso” é um dos grandes princípios de sabedoria que os
gregos da antiguidade nos legaram. Terá Marcelo Rebelo de Sousa tempo para a
meditar?
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