Fotógrafo não identificado - Salgueiro Maia fala aos civis [arquivo fundação Mário Soares] (25-4-1974)
Há uns tempos a retórica sobre o esgotamento da terceira
República – isto é, do regime nascido com o 25 de Abril – parecia condenada a
ter razão. Hoje que se comemoram 43 anos do derrube da ditadura do Estado Novo,
o regime, na fórmula que adoptou, parece ainda ter vigor suficiente para
responder ao país e às suas necessidades. Há uma personagem central nesta
alteração de percepção sobre a saúde do regime, António Costa. Foi ele que, num
momento em que o Partido Socialista parecia afundar-se, tal como tinha
acontecido com o grego e o espanhol (agora foi o francês), descobriu o caminho
das pedras, ao transformar uma derrota eleitoral numa vitória política, vitória
que enfureceu a direita, que não só ainda não a digeriu como não a compreendeu
(basta ver os patéticos pedidos de auxílio que faz ao BE e ao PCP para se
oporem a opções que ela, direita, tomaria de forma muito mais radical).
A nova situação – absolutamente inédita – mostrou que o
regime tinha alternativas, que não estava condenado ao rotativismo de dois
partidos políticos viciados e viciosos. Por muito que isto irrite a direita
portuguesa, a actual solução tem virtualidades democráticas enormes. Basta comparar
a situação política portuguesa com a grega, a espanhola e a francesa. Em todas
elas o centro esquerda quase desapareceu, dando lugar a opções radicalizadas
que têm chocado – como no caso do Syriza na Grécia e do Podemos em Espanha –
violentamente com a realidade. A esquerda portuguesa, apesar da fragilidade inicial
do PS e dos quase 20% do PCP e BE, tem mostrado uma moderação e uma sensatez
que nem as outras esquerdas do sul da Europa nem, noutro sentido, a própria
direita portuguesa ostentaram e ostentam. E isso tem poupado aos portugueses muitos dissabores, angústias e aventuras de resultado duvidoso.
É verdade que a situação em que vivemos é frágil, pois o
país, devido aos compromissos internacionais e à dívida pública, não depende de
si. Isto significa que se a Europa continuar a não aprender com os resultados
de referendos e de eleições, a nossa situação pode degradar-se rapidamente. Os
regimes democráticos, tal como se desenvolveram na Europa do pós-guerra,
dependem da existência de amplas classes médias e do chamado elevador social
que permita aos mais talentosos afirmarem-se na sociedade. Se se persistir na
destruição das classes médias, se as expectativas das pessoas em viverem melhor
forem negadas pelas opções políticas, enquanto a riqueza de alguns sobe
exponencialmente, a Europa entrará em declínio irreversível e o regime
português, tal como começou a desenhar-se há 43 anos, será arrastado por esse
declínio. O talento de Costa tem residido no casamento – aparentemente, espúrio
– entre dois radicalismos, o da União Europeia ordo-liberal e o da esquerda
portuguesa à esquerda dos socialistas. Até agora, apesar de algumas
intervenções infelizes do senhor Wolfgang Schäuble, António Costa tem
conseguido a quadratura do círculo. O regime nascido do 25 de Abril deve-lhe
isso, a ele e, também, à esquerda que tem sabido sacrificar a ideologia a um bem maior, a preservação do próprio regime.
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