Paul Huet - Abismo; paisagem (1861)
São múltiplos os sinais de que vivemos num tempo perigoso. Talvez o sintoma mais preocupante seja a atracção pelo abismo que se insinua, entre muitos ocidentais, com cada vez mais força. Aquilo que ainda há alguns anos causaria repulsa generalizada é agora visto como uma possibilidade e uma possibilidade que, de forma mais ou menos velada, se deseja. É o crescimento desta atracção que marca a periculosidade dos nossos dias. Quando o sentimento deixa de querer evitar aventuras e situações extremadas para se abrir às propostas políticas que deveriam fazer corar de vergonha gente civilizada, então podemos estar a caminho, mesmo que ainda não seja perceptível, de uma desgraça.
O abismo sempre existiu e não pode ser eliminado da vida social e política. Pode, todavia, ser contido num limiar aceitável e que não ponha em causa uma vida social equilibrada. O problema surge quando aqueles que deveriam cuidar de manter o abismo afastado são os que, pelas opções políticas que tomam, acordam o monstro adormecido que existe no coração de cada ser humano. A destruição dos equilíbrios sociais, o espectáculo das desigualdades acima do limiar que a inveja permite tolerar, a sensação de que a situação só pode piorar, a aniquilação da esperança, tudo isto contribui para que a atracção pelo abismo cresça.
Embora nunca se saiba muito bem onde fica, há um limiar que se ultrapassado transforma a atracção numa queda inexorável. A Europa, no século passado, ultrapassou-o pelo menos duas vezes. O resultado, que se está a dissolver na consciência colectiva, não foi bonito de se ver. O que se passar em França na segunda volta das eleições pode-nos indicar se vivemos ainda um tempo de mera atracção pelo abismo ou se nos estamos já a precipitar nele. Mesmo que o pior seja evitado, estamos longe daquilo que é necessário para conter a crescente atracção pelo abismo, para delimitar este num nível aceitável. É preciso que os aprendizes de feiticeiros e os pirómanos sejam afastados do comando da política europeia. E nela não faltam nem uns nem outros.
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