Wassily Kandinsky - Diagram 17 (1926)
Dois muros desmedidos, talvez uns sete metros de altura, encontram-se,
por uma razão geométrica desconhecida, para formar um ângulo recto, tão
perfeito e tão límpido quanto o pode fabricar o artifício de mãos humanas. Grandes
lençóis caiados de branco, rugosos e marcados pelo tempo, apesar do cuidado que
se descobre na manutenção da pintura. O que eles ocultam não o consegue
adivinhar o transeunte que se perca por aquelas paragens. São ladeados por um
passeio calcetado com pedra escura. O sol cai, benevolente, naquelas
superfícies, acentuando o brilho com que a cal salta para dentro dos olhos do
espectador. Um obstáculo interpõe-se, porém, entre eles e a luz do astro,
projectando uma sombra que divide o mais largo dos muros em dois triângulos
rectângulos, exactamente iguais, um luminoso e o outro sombrio, como se a
natureza, ao olhar a obra dos homens, decidisse criar, ainda que por instantes,
o cenário minimalista de uma peça escrita por algum dramaturgo de vanguarda. Em
baixo, encostada ao muro mais estreito, sem dar atenção ao jogo da luz e da
sombra, está uma mulher de vestido de negro. Mangas curtas deixam ver os braços
até aos pulsos, enquanto as mãos se escondem atrás do corpo. O cabelo, com
ondas largas, é apanhado atrás, e termina a meio do pescoço. Os seios
destacam-se com suavidade do torso, deixando perceber uma curvatura a irromper da planície do peito. A cabeça inclina-se para a frente, como
se o cabelo fosse demasiado pesado, deixando ver, no muro, a mancha da sua
sombra. O rosto, inerte, não consegue esconder uma funda preocupação. Imóvel e
absorta, a mulher deixa-se penetrar pelos raios solares. Parece procurar neles uma luz que desfaça a pesada sombra que se desprende, em nuvens de sal e enxofre, do olhar.
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