Gerardo Rueda - Athos (1958)
Quinze minutos. É o que o sinal pendurado num poste de iluminação
eléctrica indica. Pode-se estacionar um quarto-de-hora e, depois, há que ir
tratar da vida para outro lugar, sabe-se lá onde. A noite, persistente e
vestida de veludo e humidade, não cessa de cair sobre o silêncio. Os passeios
estão desertos. Nem um transeunte sob a mancha amarelada da iluminação pública.
Um carro preto, solitário, estacionado. Sobre ele, a luz do candeeiro abre-se
em reflexos sem constância nem propósito, revérberos a voltear num mundo votado
ao esquecimento. Se houvesse vento, talvez a neblina se dissipasse e levasse
com ela esta dor de irrealidade que se abate sobre o coração de quem olha a rua.
Uma correnteza de casas, do lado esquerdo, recorda que há pessoas na cidade.
Prédios de altura mediana, enterrados na noite, obscuros, aqui e ali recortados
pelo néon que anuncia um café, talvez uma ourivesaria, um stand que oferece
carros que ninguém quer comprar. De súbito, um vulto surge no fundo da rua.
Caminha devagar, parece cambalear. Agarra-se à parede, respira fundo e dá mais
alguns passos. Faz um gesto com a mão
direita, parece querer afastar a neblina, mas logo pára. Olha para os lados e toca
com os dedos a cabeça, fazendo-os deslizar pelos cabelos. Encolhe os ombros.
Atravessa a estrada e pára mais uma vez, agora frente ao stand de automóveis.
Encosta a testa ao vidro como se quisesse entrar por ele e ver de perto algum
dos carros. Depois, põe as mãos nos bolsos do sobretudo e recomeça a andar.
Ziguezagueia no passeio, passa defronte do café. Torna a atravessar a estrada,
em passo lento, e dirige-se para o único carro ali estacionado. Detém-se longos
instantes diante da porta, depois, hesitante, abre-a, olha a noite e, com um novo
encolher de ombros, senta-se ao volante. Fala sozinho, passa a mão pelo queixo,
olha o espelho retrovisor. Suspira, faz a chave ranger na ignição, o motor
obedece de imediato. O carro arranca alvoraçado, deixa uma baforada de fumo que
se funde na neblina, e desaparece, tragado pelo destino que o espera, deixando
a rua mais abandonada e mais livre. Permitido estacionar 15 minutos entre as
8:00 e as 20:00, lê-se na placa pendurada no poste de iluminação pública.
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