Egon Schiele - Criança dormindo (1910)
Depois do drama dos sms
e emails do ministro Centeno, temos
agora a tragédia da não divulgação das transferências para paraísos fiscais do ex-secretário
Núncio. Não é que estas coisas sejam desprovidas de importância. Não o são e
devem ser escrutinadas. O problema é que, neste pobre país, o debate político
se centra todo ele neste tipo de casos. Vive-se da excitação dos diversos coros
de indignados que pululam por aí em apoio da suas seitas, servidos pelas
câmaras de eco que são os órgãos de comunicação e as redes sociais. Não há um
debate sério sobre o país e sobre os caminhos que devemos trilhar. E nisto
descobre-se um amplo consenso entre o governo e a oposição, entre a esquerda e
a direita.
Uma explicação para o fenómeno seria fazer notar a baixa
preparação das diversas elites políticas que têm por missão disputar o poder e
ganhar o direito a pastorear – extorquindo ali, distribuindo acolá – o rebanho
da paróquia. É uma explicação plausível, mas haverá uma outra que, sem anular
esta, permite esclarecer mais e melhor o facto. Trata-se pura e simplesmente de
não haver nada de verdadeiramente sério para discutir. A liberdade de acção dos
agentes políticos portugueses é tão diminuta que, na verdade, quase nada os
separa. Resta-lhes os casos e o exercício fútil da indignação perante os
pecados do outro lado, como forma de chegar ao poder ou de o manter.
Este tipo de exercício político, contudo, não pode ser
interpretado como uma espécie de resignação perante a ausência de liberdade
para confrontar propostas diferenciadas sobre o país. Ele é também uma prática
deliberada de ocultação da ausência de liberdade e de poder do país. Nem a
direita nem a esquerda estão interessadas – verdadeira e efectivamente
interessadas – em enfrentar essa ausência de liberdade e o défice de poder,
pois nenhuma delas sabe o que fazer para reconquistar essa liberdade e, pior do
que isso, não saberia o que fazer se tivesse essa liberdade de traçar
autonomamente um caminho para o país.
Aplica-se ao caso aquilo que Kant disse
em 1784 dos homens em geral: Porque a
imensa maioria dos homens (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à
maioridade difícil e também muito perigosa é que os tutores de bom grado
tomaram a seu cargo a superintendência deles. Um povo com quase 900 anos de
história, tocado pela senilidade e pouco habituado à liberdade e à responsabilidade
que lhe é inerente, entregou-se, temendo os perigos da maioridade, à tutela dos
poderes europeus, que assim nos administram as contas e superintendem a vida e
a morte. O baixo nível do debate político português, o exacerbar dos casos e os
uivos de indignação são manobras de diversão para esconder a nossa menoridade,
para ocultar o nosso amor a essa menoridade.
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