Uma meditação política antes de férias. No actual arranjo
governativo há uma situação a que não se dá a atenção que merece. O governo
depende dos acordos na Assembleia com o BE e o PCP. Por norma, não há um acordo
a três, mas acordos do PS com o BE e acordos do PS com o PCP. Esta situação
deve-se às relações equívocas – para não dizer tensas – entre BE e PCP. Há,
para isso, razões históricas e razões psicológicas, digamos assim.
Historicamente, as organizações que constituíram o BE nasceram
de rupturas traumáticas com o PCP, no caso da UDP e da Política XXI, ou com a
antiga Terceira Internacional, no caso dos trotskistas do PSR. O trauma em
política conduz a considerar que o antigo amigo é agora um encarniçado inimigo.
Por outro lado, desde o 25 de Abril de 1974 que o PCP tentou evitar que
surgisse, à esquerda do PS, uma força política com peso. O facto do BE ter,
actualmente, uma maior expressão eleitoral do que o PCP é sentido por este como
uma injustiça e quase um insulto.
Poder-se-ia pensar que a rivalidade nasce de ambos
disputarem o mesmo espaço eleitoral. Contudo, não é isso que acontece. O BE não
tem qualquer capacidade de penetrar no eleitorado tradicional do PCP, nem este
tem capacidade de penetrar nos eleitorados onde o BE encontra os seus eleitores.
Na verdade, do ponto de vista do mercado eleitoral, mais do que rivais, BE e
PCP são complementares. Para além desta complementaridade, há uma coisa que,
queiram ou não, os une.
O que os une é o destino a médio prazo. Esta experiência
governativa tem um preço. Esse preço é o de não se poder voltar atrás, aos
tempos em que PCP e BE se apresentavam como belas almas, sem as mãos sujas pelo
convívio com o poder, não sentindo limite para a contestação e os devaneios.
Isso acabou. A relevância de ambos os partidos, a partir de agora, não vem da
mera contestação, mas da sua capacidade de influenciar e exercer o poder.
Uma maioria absoluta do PS, nas próximas eleições, pode condenar
a ambos ao definhamento. Para o evitar, é preciso que se apresentem ao
eleitorado com vontade de exercer o poder, e com soluções para um bom governo
do país, dentro das regras a que estamos sujeitos, por vontade própria. E isto
é fundamental para a esquerda e para as pessoas, pois o PS entregue a si
próprio está, pela sua própria história, longe de ser confiável. Isto deveria
ser suficiente para pôr de lado estados de alma e levar a uma cooperação mais
institucional entre PCP e BE, o que reforçaria o seu poder negocial com o PS. O
eleitorado das diversas esquerdas agradeceria.
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