Desde há muito que, no continente europeu, o futebol tem um
papel central na formatação das subjectividades de acordo com as exigências de
uma sociedade concorrencial. A competição futebolística espelha a luta das
empresas no mercado, a disputa dos jogadores por um lugar na equipa é uma lição
para o trabalhador por conta de outrem, os mecanismos do mérito, centrais no
mundo do futebol, são um exemplo para quem exerce as suas funções numa empresa.
O futebol, ao longo do século XX, foi, na Europa, um dos elementos mais
importantes, ao nível ideológico, na consolidação das revoluções industriais.
Desde muito cedo, o futebol esteve associado a um certo
tribalismo clubista. No entanto, esse tribalismo não apenas se dissolvia no
tribalismo maior do nacionalismo, como tinha uma função de integração das pessoas
que, em massa, foram deixando os campos em direcção às cidades. Fornecia-lhes
uma identidade e com ela a pertença a uma certa comunidade. Funcionava como uma
compensação de uma perda. Poder-se-ia falar de um tribalismo soft e compensatório, que, muitas vezes,
era caminho para um convívio pacífico com membros de outras tribos.
Nas últimas décadas, porém, tem-se assistido a uma
metamorfose do clubismo. Estamos cada vez mais perante um tribalismo hard e agressivo, onde o convívio
pacífico está a ser substituído por doses crescentes de agressividade e de
conflito inter-tribal, por vezes com mortes. A emergência das claques
organizadas é um momento importante nessa alteração qualitativa. No entanto,
não será o elemento central. Olhemos para o caso português. De imediato se
percebe que a comunicação social, com a televisão em destaque, têm um papel essencial
na consolidação e disseminação do fenómeno.
Os programas com os representantes dos grandes clubes
transformaram-se num foco da doença. Como tem acontecido com outro tipo de
programação televisiva, as audiências crescem com a degradação da linguagem, da
etiqueta social e com o aumento da agressividade entre os representantes das
três principais tribos. A comunicação social, mesmo quando moraliza sobre a
violência no futebol, precisa desta nova modalidade de tribalização. É ela que
lhe dá audiências e rentabilidade. A consequência disto é que, através do
futebol e tomando-o como modelo, se está a impor uma nova forma de vida social,
uma vida tribalizada e estruturada no conflito, o qual terá de escalar
continuamente para que o espectáculo da informação continue.
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