Em todo o processo ligado à pandemia provocada pelo
coronavírus, a Igreja Católica em geral, e a portuguesa em particular, teve uma
atitude que merece louvor. A Igreja portuguesa, e é nela que centro este
artigo, mostrou que não é apenas uma instituição guardiã da fé e tradição
apostólicas, mas ainda um factor de razoabilidade dos comportamentos sociais,
exercendo uma influência muito importante na atitude de muitos portugueses, o
que ajudou a minimizar os efeitos da pandemia. A Igreja teve maleabilidade e
capacidade para se antecipar ao poder político na decisão de suspender
cerimónias públicas e de dar um exemplo que acabou por reforçar a legitimidade
das decisões dos órgãos políticos da República.
Em dois momentos, o 25 de Abril e o 1.º de Maio, houve uma
tentativa, por parte de sectores políticos extremados, de forçar um confronto
entre a Igreja e as instituições políticas da República. Das duas vezes, a
Igreja portuguesa resistiu à tentação e manteve-se no seu lugar. Em relação à
primeira data, a presença do Cardeal Patriarca nas cerimónias da Assembleia da
República não apenas matou a tentativa de criar uma fricção entre instituições
políticas e religião, como mostrou um inequívoco apoio ao regime democrático.
Em relação ao dia do trabalhador e à inusitada coreografia que a CGTP, com o
apoio político do Partido Comunista, decidiu montar em Lisboa, a Igreja pura e
simplesmente não se imiscuiu, não reivindicou tratamento igual, não tirou
partido da situação para se desviar da linha que ela própria traçara para si
mesma. Não se envolveu no que não lhe dizia respeito.
Os que tentaram criar uma tensão entre religião e política não
compreendem o que é a religião. Uma religião como a Católica tem uma dupla
dimensão. Tem uma vida pública, exterior, feita em comunidade, em eclésia, e
tem uma dimensão espiritual, interior, que os crentes podem viver mesmo nos
momentos em que a vida comunitária está suspensa. A vida política pelo
contrário só tem uma dimensão, a pública. Não há vida política sem o espaço
público, sem a encenação ritual de um teatro mundano, que é onde se deve colocar
o que aconteceu no 25 de Abril e no 1.º de Maio. A Igreja portuguesa não
permitiu que se comparasse aquilo que não é comparável, vida religiosa e vida
política. Vincou a diferença entre o espaço sagrado da religião e o espaço
profano da política, encontrou formas novas de alimentar a vida espiritual dos
crentes e, com essa atitude racional, reforçou tanto as instituições políticas
como a credibilidade da própria Igreja. Deu a César o que é de César e a Deus o
que é de Deus.
[A minha crónica no Jornal Torrejano]
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