Esteban Vicente, Goyescas, 1983 |
Da porta da pequena ermida situado no outeiro, quase em cima da costa, vê-se o movimento marítimo de um porto antigo. À direita, as grandes construções, armazéns e, um pouco mais ao fundo, estaleiros, entregues à construção e à reparação de barcos de pequeno e médio porte. Levados pela necessidade, operários e homens do mar atravessam apressados o cais, enquanto gente aturistada deambula por ali ávida, como todos os turistas, de ver aquilo que nunca haverá de ver e muito menos compreender. O céu está mesclado de nuvens que ora coam a luz, criando uma atmosfera de irrealidade, uma paisagem de fantasia, o exercício romântico de um pintor obcecado com o sublime das emoções que lhe perturbam a alma, ora deixam o campo aberto para que os raios solares incendeiem as águas e ateiem súbitas e estranhas cintilações de fogo nas pedras do molhe, que se vê à esquerda. As águas, tranquilas até à afabilidade, entretêm-se nesse jogo de mudança de cores, ora cinzentas, ora verde-azuladas, ora quase acastanhadas. Não é dia de grande tráfego portuário. Alguns veleiros sulcam as águas, as velas desfraldadas, uns aproximando-se de terra, outros afastando-se, diminuindo de tamanho até se tornarem um ponto a desaparecer na linha do horizonte. Num dos cais, à borda das águas, mesmo alinhado com a ermida, está, sobre um pilar de pedra cinzenta, um oratório não muito grande, encimado por cruz de madeira. Diante dele, está parada uma pequena embarcação. Dois homens inclinam a cabeça e permanecem assim por largos minutos, murmurando súplicas e desfiando gratidões. Depois, põem o barco em movimento e afastam-se lentamente, enquanto o sol irrompe de novo e resplandece como se tivéssemos voltado ao quarto dia da criação e os grandes luzeiros acabassem de ter sido colados pela mão de Deus na tela gigantesca do firmamento.
Excelente descrição.
ResponderEliminarUm abraço
Muito obrigado.
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