segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Um problema difícil

Com a eleição de dois deputados nos Açores e uma votação na casa dos 5%, o Chega mostra-se como uma força política em consolidação. Tem uma particularidade que o torna em fenómeno único na democracia portuguesa. É o primeiro partido político a crescer afirmando-se contra o sistema político que foi traçado, através de um consenso tácito, pelo PS, PSD, PCP e CDS. O único partido que, além destes, conseguiu encontrar lugar consolidado no sistema partidário foi o Bloco de Esquerda. Note-se, porém, que esse lugar nasceu não porque o Bloco fosse anti-sistema, mas porque se converteu a ele.

A ascensão do Chega é preocupante para quem julga que as democracias liberais, tal como estão concebidas – a nossa e as da generalidade dos países europeu –, são os sistemas políticos mais razoáveis e aqueles que comportam menos riscos para os cidadãos. No entanto, as forças políticas tradicionais parecem incapazes de lidar com a direita radical. Em Portugal, o centro-direita olha com benevolência e paternalismo para o fenómeno, o centro-esquerda ignora-o, parece convir-lhe tacticamente, e a esquerda lançou mão do arsenal retórico antifascista e anti-racista.

Para além da questão, em disputa, da categorização do Chega ao nível da Ciência Política, o problema mais difícil de enfrentar é o da eficácia política da retórica antifascista e anti-racista. Embora Portugal não seja o Brasil nem os EUA, pode aprender alguma coisa com o que aí se passou. Combater os movimentos populistas da direita radical com o arsenal retórico do antifascismo e do anti-racismo parece ter um efeito contrário ao pretendido. A tentativa de deslegitimação enquadrando esses partidos e movimentos nos quadros mentais das direitas radicais e extremas-direitas reforçou candidatos inverosímeis e fez que uma parte do eleitorado lhes abrisse os braços e os protegesse, dando-lhes força e, mesmo, o poder.

Se os defensores da democracia liberal querem, de facto, limitar drasticamente o fenómeno populista, o caminho mais sensato será perguntar por que razão parte significativa do eleitorado se desinteressou da democracia e por que está a voltar agora à política de mãos dadas com este tipo de forças. Que aspectos da vida política democrática estão a gerar descontentamento na população? Que tipo de comportamentos dos agentes políticos tradicionais dão azo à demagogia populista? Isto significaria que as forças políticas tradicionais deveriam confrontar-se com as suas práticas e regenerarem-se a si mesmas. O que temo, porém, é que ninguém ache que exista alguma a regenerar em si e que um dia se acorde com um pesadelo eleitoral.

4 comentários:

  1. Porque motivo uma parte da população se desinteressou da democracia ?
    Quando é que toda a população se interessou pela democracia? Talvez no tempo de Salazar e Caetano,eu fui para a Guerra Colonial e no barco toda a gente discutia,alegremente, política?
    Em que Mundo andais? Se vos queixais do presente tendes saudades do passado ou ansiedade pelo futuro.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Talvez haja uma grande diferença entre os 83,5% de participantes nas primeiras legislativas e os 48,6% das últimas.

      Eliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.