Escrevo no dia em que decorrem as eleições norte-americanas.
No entanto, não são as eleições nos EUA o foco do artigo, mas as portuguesas.
Olhemos para a evolução da participação nas eleições para a Assembleia da
República, deixando de lado a Assembleia Constituinte de 1975. Em 1976, nas
primeiras legislativas, votaram 83,5% dos eleitores (a maior votação foi a de
1980 com 83,9%). Nas últimas, as décimas quintas, em 2019, votaram 48,6%. Em 43
anos, o regime democrático alienou mais 35% do eleitorado. Ao fim de 10 anos,
já tinham sido perdidos mais de 10% de participantes. Ao fim de 20 anos, a
perda cifrava-se na casa dos 20%. Ao fim de trinta, a queda sofrera uma
travagem, mas mesmo assim aumentara para mais 22%. Nos doze anos seguintes
perderam-se mais 13% dos eleitores, sendo as últimas eleições as primeiras em
que a participação fica abaixo de 50%.
Houve um claro afastamento dos portugueses da vida democrática. A questão que se coloca, porém, é se esse afastamento das práticas da democracia representa um desinteresse pela política e pelos destinos da comunidade. Quando não existiam redes sociais e a comunicação social dominava a opinião, havia a sensação de que crescia o desinteresse dos portugueses pela política, um refluxo para a esfera privada, uma indiferença pelo que estava a acontecer. As redes sociais vieram demonstrar outra realidade. A desafeição crescente do eleitorado não é com a política, mas com o actual regime. Constantemente as pessoas produzem comentários políticos, assinalam as distâncias entre o eles (os políticos) e o nós (as pessoas comuns), fazem observações jocosas e acusatórias sobre as elites políticas do regime. Há uma intensa participação.
Vivemos, ao contrário do que as eleições dizem, numa época de hiperpolitização. Esta não se manifesta nem na defesa da democracia nem em formas de participação política convencionais. Manifesta-se no rápido tweet, no comentário jocoso, no like concordante com uma qualquer diatribe. Esta hiperpolitização – hiper porque representa uma intensificação do interesse pela política e porque está ligada ao hiperespaço – não deve ser encarada de ânimo leve. Ao situar-se fora do quadro institucional, ela trabalha para desprestigiar e fazer explodir as instituições democráticas. A hiperpolitização assinala duas coisas. Em primeiro lugar, um grande ressentimento com o regime democrático. Em segundo lugar, desenha uma utopia, o desejo de um regime político puro, que não seja contaminado pela venalidade dos políticos. Sempre que se conjugam ressentimento e desejos utópicos, as comunidades encontram-se à beira de um abismo.
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