sábado, 20 de março de 2021

A arte do possível

Nunca deixam de espantar-me as intervenções na comunicação social que, perante o confinamento, trazem sempre à colação as consequências terríveis que isso trará. Há casos em que essas preocupações se percebem, pessoas que são afectadas nos seus negócios ou empregos, às quais não se poderá pedir imparcialidade na reacção às decisões necessárias para conter a pandemia. Nos outros casos, porém, em que se apontam as terríveis desgraças que hão-de cair sobre as pessoas por causa do confinamento, há qualquer coisa de patético. É um facto que, por exemplo, o fecho das escolas tem consequências graves nas aprendizagens e no desenvolvimento de competência sociais dos alunos. Haverá, porém, uma solução exequível que permita combater a pandemia e evitar os efeitos secundários desse combate?

A política implica fazer escolhas, hierarquizar prioridades, perceber que não se pode ter tudo. Alcançar um bem maior implica muitas vezes perder outros bens que, apesar de grandes, são menores. Nenhum governo – pelo menos num país democrático – gosta de confinar os cidadãos. Nenhum governo gosta de ver a economia retroceder, o desemprego aumentar, as empresas a falir, as receitas ficais a diminuir, os gastos a aumentar drasticamente, os seus cidadãos a ficarem mais doentes e com menos recursos para combater a doença. Os governos não escolheram governar em pandemia. Quando muitas associações, que deveriam ser razoáveis, vêm chamar a atenção para as consequências nefastas do confinamento e das restrições impostas e se esquecem de dizer que as consequências de não haver confinamento seriam muito piores, não só estão a desinformar a população, como acabam por ter um efeito negativo no combate ao inimigo principal.

Agora que começamos a desconfinar é tempo de dar atenção aos efeitos colaterais da guerra ao coronavírus. Contudo, é preciso ter em atenção que as sociabilidades tradicionais não podem ser restauradas e que muitas coisas terão de mudar, talvez durante muito mais tempo do que aquele que imaginamos. Teremos de inventar novas formas de convivência, porque a pandemia não está debelada, nem de perto nem de longe. Teremos de interiorizar outras regras comportamentais. E é nesta mudança de atitude que muitas daquelas entidades, que traçam cenários apocalípticos por causa do combate à pandemia, deviam estar empenhadas. As coisas não são como nós as desejamos. São como são e é a isso que há que responder em cada momento, estabelecendo períodos e escolhendo o mais importante. Não se pode ter sol na eira e chuva no nabal. A política é a arte do possível. O resto é lançar confusão. 

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