Pier Luigi Lavagnino, Alberi, 1969 |
Cruzado por
ruas largas de terra batida, talvez como recordação desse tempo arcaico em que
os homens não pavimentavam os caminhos, o parque era o coração da cidade. Esta
vivia ao ritmo da sua pulsação. Se havia ali uma atmosfera de tristeza, a
cidade entristecia. Se os dias se tornavam nele melancólicos ou alegres, a
cidade era tomada por uma súbita melancolia ou transbordava de alegria. Tudo o que
acontecia no parque reflectia-se na cidade que o acolhia. Era um dia de
Primavera, um sol amistoso brilhava no cerúleo do céu. A folhagem verde do
arvoredo e dos arbustos reverberava. Nos lagos, a água cintilava, deixando ver
cardumes de pequenos peixes a brilhar, se os raios solares lhes tocavam a pele.
Uma multidão invadia o parque. Havia nas pessoas alegria e expectativa. Caminhavam
despreocupadas, dirigiam-se para uma praça central, toda ela rodeada por
enormes plátanos. Ali amontoavam-se, conhecidos com conhecidos, mas também com
desconhecidos, e falavam, riam, como se aquele fosse um dia de festa. Num
recanto, um pouco afastado, uma rapariga estava deitada na relva. Os seios
alteados, as pernas nuas, os braços perdidos pelo corpo. No ventre, sustentava
a cabeça de um rapaz deitado, de pernas flectidas. Segurava nas mãos uma viola.
Indiferentes à multidão, deixavam-se embalar pela música dedilhada por ele. Por
vezes, cantavam em uníssono, como se fossem apenas uma voz, um corpo, um ser. Ela
calava-se e escutava-o. Depois, voltavam ambos a cantar, num dueto, em que se
respondiam, como numa conversa vinda muito de trás. Quando se cansaram, ele
poisou a viola, deitou-se ao lado dela e ficou a olhar para a copa das árvores
e o azul do céu. Quando voltou a falar, ela rolou para cima dele e beijou-o na
boca. A multidão continuava a afluir, os grupos ocasionais iam-se desfazendo e
refazendo, enquanto ela olhava para dentro dos olhos dele. Quero ver o que há
no fundo dos teus olhos, disse-lhe. Ele riu-se, puxou-a mais para si e beijou-a
com sofreguidão. Da praça, chegava agora uma música de dança e a multidão
segregava-se em mil pares que rodopiavam pelo chão de terra batida, enquanto o rapaz
e a rapariga se perdiam na noite que havia nos olhos de cada um, descendo cada
vez mais fundo, inundando-se de desejo, de pressa que os levasse, naquele
instante, para o futuro.
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