quinta-feira, 19 de setembro de 2024

A planície sinuosa (i)

Jorge Martins, sem título, 1961 (Gulbenkian)

Insinua-se uma árvore no limiar da linguagem,

um esforço exacto na tremura do horizonte.

A casa sob as folhas é uma fonte de pontos

e linhas, uma arquitectura lábil,

o nascimento do silêncio na poeira da planície.

 

Da cruz dilacerada pelos ventos,

germinam pontos cardeais,

vozes no fundo da vinha,

luas prisioneiras do vento entre ramos.

 

Se o rosto se cerra na areia das mãos,

insectos crepitam na escuridão das órbitas,

no mundo proscrito, a seda póstuma da tarde.

 

A planície desfolha-se em navios,

nuvens de cinza sobre os lados do Ocidente.

A rapariga traz água pelo cântaro,

a distância insinuada na sombra das searas.

É uma rapariga aberta à luz, a túnica pelo chão.

 

Os homens sentam-se na madeira da memória,

pensam na rapariga perdida na espuma da paisagem,

um travo de cerveja tecido no lúpulo do olhar.


Nenhuma espiga oscila na pedra do desejo,

na praia coberta de veludo.

Nos olhos dos homens, nascem planícies

onde raparigas desaparecem na luz do dia.

 

1993

[Conjunto de três poemas pertencentes à série Cânticos da Terra Amarela]


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