domingo, 29 de setembro de 2024

A planície sinuosa (ii)

Salvador Tuset, Alquería del Pí, 1937

Urge quebrar a planície

pela linha cintilante,

pelo remo amarelo

mergulhado na volúpia,

o esplêndido fulgor

da seda branca, cerzida

no ciciar leve das ervas,

o destino de Março.

 

Um campo, um coração

de frutos azedos, sábio

como as raparigas sós,

presas nas tardes antigas,

no cansaço repartido

entre serões indolentes,

o suor frio entre pernas,

o esmalte do silêncio.

 

Conquistava um mar

de figueiras, erva rala

pulsando no coração,

na viagem esperada

ao litoral esquecido,

à embarcação moldada

no pó desfeito, nas pedras

vermelhas da amargura.

 

Uma doença, o lamento

na labareda da noite,

na crueldade cinzenta,

no muro incendiado

pelo nome do restolho.

A letra verde na face,

a chuva de Julho,

o sol e a sombra da voz.

 

A planície de palavras

é uma janela de água,

aberta, vagarosa,

debruçada no relâmpago

exausto pela lavoura

escassa do sentimento.

Exaltado, o fruto declina

no sumo o fragor da vida.


1993

[Conjunto de três poemas pertencentes à série Cânticos da Terra Amarela]




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