quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Lutar pela pátria

Pablo Picasso - A Guerra (1952)

A Win Gallup fez uma sondagem internacional (ver aqui e aqui) com a seguinte questão: Se houvesse uma guerra que envolvesse o seu país, estaria disposto a lutar pelo seu país? Se ao nível global 60% dos inquiridos lutariam pelo seu país, as diferenças de amor patriótico são, geográfica e civilizacionalmente, muito heterogéneas. No Médio Oriente e Norte de África, 77% estariam dispostos a lutar pelo país. Na Ásia, seriam 71% (mas no rico Japão, apenas 11%), enquanto em África e na Europa de Leste seriam 56% e 54%, respectivamente. Na América e na Oceânia, lutariam pelo país 48% e 40%, respectivamente. Na Europa Ocidental, apenas 25% (28% em Portugal) estariam dispostos a lutar pela pátria. Estes dados são muito curiosos e permitem perceber algumas coisas.

Por exemplo, quanto melhor nível de vida e mais direitos, liberdades e garantias um país - ou uma comunidade política - proporciona aos seus cidadãos, menos estes estão dispostos a bater-se por ele. Há a tentação de dizer: apenas 28% dos portugueses estão dispostos a lutar por Portugal porque o país é mau e oferece-lhes pouco. Essa, porém, não é a verdade. Quanto menos direitos, liberdades e garantias individuais são oferecidas, mais os indivíduos estão dispostos a lutar pela comunidade. Isto não significa apenas que o individualismo se sobrepôs ao espírito comunitarista e que o egoísmo se tornou preponderante. Significa também que há uma consciência racional mais aguda perante o fervor nacionalista e as promessa que a guerra sempre traz com ela, isto é, que há maior consciência crítica.

Por outro lado, esta sondagem mostra que a ideia da decadência do Estado-Nação é limitada. O Estado-Nação é uma invenção europeia, um dispositivo político que permitiu à Europa ter uma posição preponderante no mundo, mas que também a conduziu a duas guerras mundiais. O triunfo do liberalismo tem vindo a escavar a prestígio do Estado-Nação, mas isso passa-se, fundamentalmente, na Europa Ocidental ou nas zonas para onde a cultura política europeia foi transferida (América e Oceânia), embora nestes casos essa perda de prestígio pareça menos evidente. Curiosamente, aquilo que parece ter caído em desgraça entre nós está a ser recuperado globalmente. O fervor patriótico parece indicar que, fora do Ocidente, o Estado-Nação está bem e recomenda-se.

Por fim, os dados permitem perceber por que motivo o Ocidente está a perder importância no contexto global. A geopolítica global deriva do confronto entre comunidades políticas e não entre indivíduos. Quando os actores ocidentais têm um respaldo cívico tão pequeno é natural que o seu poder, que tecnologicamente ainda é grande, diminua e seja cada vez mais considerado como irrisório pelas potências emergentes, cujo espírito comunitário parece muito forte. O dado mais interessante é aquele que confronta os dados de duas zonas politicamente vizinhas. Enquanto os valores mais altos de espírito patriótico se encontram no Médio Oriente e no Norte de África (77%), os mais baixos estão na Europa Ocidental (25%). Não sei se as pessoas percebem as possíveis implicações, a médio e a longo prazo, deste estado de coisas.

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