René Magritte - The End of Contemplation (1927)
Escrever é ser outro. Mesmo na crónica de opinião, há uma alteridade
radical entre o «eu que escreve» e a pessoa que empresta o seu nome ao «eu que
escreve». Um «eu enquanto sujeito psicológico» é espontaneamente aquilo que é.
O «eu que escreve» só o é por artifício. Os leitores, muitas vezes de forma
ingénua, tendem a identificar os dois, mas isso não passa de um preconceito,
talvez de uma forma rápida de resolver o enigma da escrita. O máximo que se
pode dizer é que o «eu psicológico» cria o «eu que escreve» e que este, ao
tomar a herança da escrita em suas mãos, umas vezes melhor, outras pior, cria
os materiais escritos (crónicas, poemas, narrativas, filosofia, etc.). De certa
forma, há sempre um certo escândalo na questão dos direitos de autor. Aquele que
os pode reivindicar não é um verdadeiro autor e o verdadeiro autor (o eu
escritor) não é uma pessoa e por isso não pode ter direitos. O drama de tudo isto reside no seguinte
paradoxo: aquele que escreve escreve para ser outro. Os leitores tendem porém a
identificar, sem qualquer fissura, um e outro. Mas Ricardo Reis, Alberto Caeiro
ou Álvaro de Campos não eram Fernando Pessoa. O próprio Fernando Pessoa não era
Fernando Pessoa. (averomundo,
2007/07/08)
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