Pierre Bonnard - La Chasse (1908)
A minha crónica quinzenal no Jornal Torrejano.
Agora que os ânimos mais exaltados descobriram o ridículo em que
navegavam, vale a pena tentar perceber o significado político das opções de
António Costa, da troca da velha aliança com a direita por uma aliança à
esquerda. A leitura mais simplista é dizer que o fez para não sair da vida
política. Isto não é falso, mas é não entender tudo o que estava em jogo. Para
além do futuro político de António Costa, o do Partido Socialista. Se o PS
fizesse aquilo que a direita ou Francisco Assis pretendiam – apoiar um governo
de PSD/CDS – o futuro do PS seria muito negro. Tornar-se-ia, a curto prazo,
irrelevante no panorama político português.
António Costa revelou-se não apenas hábil na manobra política mas
ainda um profundo conhecedor da realidade portuguesa, tanto da realidade das
elites políticas como do espírito popular. Calculou que a sua esquerda não
tinha outro remédio senão apoiar um governo seu, mesmo que não esteja
especialmente entusiasmada com a experiência, como é o caso do PCP. Calculou
que a direita e o Presidente da República, para além da indignação e da
exaltação, só tinham de aceitar a nova configuração parlamentar e dar posse a
um governo PS. Não temeu sequer que a direita conseguisse organizar uma fronda
contra a sua solução. Na verdade, a fronda foi tentada, mas a sociedade não se
comoveu por ver PSD e CDS postos fora da governação. Não estamos em tempo de
Marias da Fonte.
Será esta opção eficaz para salvar o PS da irrelevância? No mínimo
dá-lhe tempo. A situação política na Europa, da qual depende a nossa, é muito
instável e imprevisível. Se a Europa persistir na imposição de uma austeridade
extrema, o mais natural é António Costa deixar de ter espaço de manobra para
manter o acordo com os partidos à sua esquerda. Estes, contudo, ficam com o
ónus de o derrubarem, de abrirem o caminho para uma nova vitória da direita e, o
que é uma real possibilidade, de verem uma parte do seu eleitorado votar PS.
Se a Europa tiver aprendido alguma coisa e se António Costa tiver o
mesmo grau de habilidade política e de conhecimento dos actores europeus que
teve no caso português, então é possível que o governo se mantenha até ao fim
da legislatura. O que ganha o PS com isso? Evitar o seu desaparecimento como
grande partido e, ao mesmo tempo, reforçar a possibilidade de acordos à
esquerda, trazendo o BE e a CDU para a esfera da governação e da
responsabilidade pelos destinos do país. Ao mesmo tempo o PS recentra a vida
política. Por outro lado, os socialistas serão julgados por aquilo que o
governo de António Costa fizer e não pela governação de José Sócrates. Não será
pouco.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.